21 dezembro 2007

CPMF, a menina dos olhos do Lula.

Pelo jeito não adiantou nada o nosso presidente espernear, pois acabaram cortando mesmo a CPMF. Com uma teta a menos para mamar, o governo imediatamente começou a correr atrás de outra fonte. Essa busca, porém, representa grandes possibilidades de novos prejuízos ao contribuinte. Até aí nenhuma surpresa, afinal, quem prova um doce, acaba não querendo mais passar sem ele.

Durante a campanha pró-CPMF, adotando a tradicional pose de defensor dos fracos e oprimidos, o presidente Lula declarou que, aqueles que votassem contra a renovação do imposto, assumiriam a responsabilidade pelas mazelas da saúde pública, já que este era o destino do dinheiro, pelo menos na teoria. Em uma tacada só, nosso presidente fez propaganda do imposto e ainda aproveitou para tirar o dele da reta. Assim sendo, caso fosse derrotado na votação, bastaria dizer: estão vendo, a saúde vai mal porque vocês cortaram a CPMF, não tenho nada a ver com isso, não sei de nada, não vi nada (já ouvi isso em algum lugar). Mas, e durante todo o tempo em que o imposto foi cobrado, hein Sr. Presidente? Para onde foi todo esse recurso? Ele foi corretamente aplicado ou apenas deixou mais saudáveis certas carteiras por aí?

Em mais um discurso de improviso (ai que medo...), o excelentíssimo, com seu habitual raciocínio superficial, afirmou que os pobres não pagam CPMF. Mas alguém por acaso acredita que as grandes empresas não embutem seus custos com a CPMF nos produtos que comercializam? O seu Juca, por exemplo, quando compra um pacote de fubá, paga o tributo indiretamente, e este certamente vai estar presente no seu prato de polenta, temperando a iguaria.

Em outra tacada de mestre, nosso estrategista barbado, vendo que acabaria sendo derrotado na votação pela extinção o imposto, enviou uma carta ao Senado, comprometendo-se a destinar a totalidade da arrecadação da CPMF para a saúde. Mas espera lá! O imposto não tinha sido criado exatamente para isso? Não foi sempre esse o destino do dinheiro? Com essa declaração, ou melhor, com esse tiro no pé, ele nos passa o seguinte recado: Companheirada, é o seguinte: se vocês revogarem o imposto, eu prometo que paro de desviá-lo e passo a aplicá-lo direitinho, como sempre deveria ter sido feito, pode ser? É pegar ou largar!

Mesmo sem acompanhar bulhufas de todo esse bafão que precedeu a votação da CPMF, uma coisa particularmente me chamou a atenção, dessas que a gente pega no ar. Viram como os políticos ficaram alvoroçados, em discussões e conversinhas pelos corredores do Congresso Nacional? Não estou afirmando nada, mas sabe-se lá quantas trocas de favores rolaram nessa politicagem com tantos interesses em jogo. Não tem jeito, sempre acabamos imaginando uma rede interminável de armações, de “toma-lá-dá-cá”, do “me ajuda que eu te ajudo”, de “uma mão lava a outra” e outros esquemas dos quais todo mundo sai contente. A CPMF foi extinta, mas não necessariamente porque julgaram que isto seria o melhor para o país. Muito mais sensato é afirmar que no cabo de guerra de interesses, esse foi o lado mais forte, seja lá por qual motivo. Será que estou sendo excessivamente maldoso com os rapazes de terno?

O governo, preocupado com o “rombo” causado pela extinção da CPMF, já está arquitetando maneiras de não ficar de saia justa. Acabam de aprovar um tal de DRU, um artifício encontrado para permitir ao governo gastar livremente 20% de suas receitas. Não domino o assunto, mas essas artimanhas nunca me cheiraram bem. A questão é: já que todos estão queimando os neurônios em busca de uma maneira de compensar a “perda”, por que então ninguém nunca cogitou extinguir algumas sanguessugas do dinheiro público? Bons exemplos são os Ministérios inusitados e os cargos de utilidade duvidosa, os populares “aspones” (assessores de porra nenhuma), um dos setores que mais tem contribuído para a redução dos índices de desemprego atualmente.

Mas e a CPMF? Afinal, como ficarão as coisas sem ela? Só nos resta esperar que este finado imposto não seja como mato no nosso quintal, onde enquanto arrancamos um, outros cinco nascem.

09 dezembro 2007

Delírios de um cidadão aborrecido


Cartórios e repartições públicas sempre me inquietaram, sinto calafrios sempre que visito algum deles. No cartório, enquanto aguardo minha vez de ser atendido, costumo me entreter contemplando as mesas com suas pilhas de documentos, processos, petições, procurações, declarações, ou seja lá quais outros nomes feios e cabeludos existam para nomear aquelas montanhas de celulose. Na repartição pública, contemplo o grande salão coalhado de mesinhas, cada qual com uma pilha de pastas, um copo de cafezinho e uma senhora de meia idade com cara de manga chupada. Fico pensando nas histórias por trás de cada uma daquelas folhas de papel empoeiradas, imaginando que, para cada uma delas, existe um contribuinte se incomodando com algum assunto. Chego à conclusão que há muita gente infeliz no mundo...

Ainda não conheci um único indivíduo que simpatizasse com burocracia. Mas se algum dia eu vier a encontrá-lo, esse alguém será um espécime bastante raro, de gostos para lá de excêntricos, capaz de apreciar coisas como barulhinho de broca de dentista ou chuchu à milanesa.

Algo não faz sentido nessa história. Apesar de a humanidade juntar forças para maldizer a burocracia, alguma força oculta ainda consegue misteriosamente subjugar toda a humanidade. E a burocracia segue reinando entre nós, imutável e inabalável, tal como um dia que vem depois do outro.

Quer saber? Bem feito para todos nós. Quem mandou sermos seres imperfeitos, cujo livre arbítrio precisa ser constantemente moldado por regras e leis? Regras e leis, por sinal, criadas por outros tão imperfeitos como nós. E o resultado disso? Leis também imperfeitas, cheias de brechas e limitações. Quanto mais brechas, mais papel se gasta na tentativa de tapá-las. Assim, é bem possível que cada brasileiro produza em média uns 200 kg de burocracia anualmente, se bobear é mais papel per capita do que aquele que gastamos no banheiro, com a diferença que o primeiro serve para limpar só o nosso nome, o segundo já tem mais utilidades.

Pronto, está tudo mais claro agora. Podemos ficar mais tranqüilos, pois a burocracia está com seus dias contados. Ela se extinguirá assim que a humanidade inteira estiver livre de defeitos, pois a partir daí ela simplesmente não será mais necessária. Não haverá mais atestados, procurações, autenticações, pois a palavra de cada um constituirá prova suficiente. Aí, já aproveitamos o embalo e implantamos uma anarquia neste país. Afinal, qual seria a necessidade de um governo pondo ordem na casa se a casa pudesse ser ordenada por nós mesmos? A Câmara e o Senado seriam extintos... Não é o máximo?

18 novembro 2007

Dois pesos e duas medidas. Portanto, não me julgues...

Em um pequeno vilarejo morava uma velhinha, cega de nascença. Ela nunca fora casada, tampouco tivera filhos. Seria completamente sozinha, não fossem as crianças da vizinhança, que diariamente vinham ouvir suas histórias e degustar os biscoitos que ela tão habilmente assava em seu forno à lenha. A velhinha adorava aquelas crianças e tinha por elas um carinho especial. Por isso, gostava de transmitir a elas seus ensinamentos de vida, pois desejava que todas se tornassem pessoas honestas e felizes. Uma das coisas que ela costumava ensinar às crianças era sobre os males da cobiça. Dizia ela:

"Crianças, nunca cobicem algo que não lhes pertencem, isso é muito feio, vocês são todos jovenzinhos que eu prezo muito, não me decepcionem sucumbindo a este mal que é a cobiça. Vejam meu exemplo, vivo na simplicidade e nunca cobicei nada de ninguém, não preciso disso. E saibam que eu ficaria muito triste se visse algum de vocês agindo dessa forma".

Foi então que um garotinho, que até então estivera ali sentado, ouvindo a velhinha com o semblante pensativo, olhou para ela falou:

"Sabe senhora, meu pai sempre gostou de cavalos e nós sempre tivemos um belo par, que papai usava para puxar a nossa carroça de frutas. Ele gostava muito dos seus cavalos e estava sempre a elogiar a força daqueles animais. Até que, há alguns meses, nosso vizinho comprou um lindo puro sangue e veio mostrá-lo ao meu pai. Antes de comprá-lo, no entanto, ele tinha passado duas semanas falando das qualidades deste cavalo que ele estava para comprar, mas meu pai permanecia indiferente, e dizia: “Esse seu pode até ser bom, mas não é melhor que esses meus dois aqui, iguais a esses não existem”. E meu pai continuava feliz e satisfeito com seus cavalos até o dia em que nosso vizinho trouxe para casa o cavalo recém adquirido e veio mostrá-lo ao meu pai. E aconteceu que, a partir do momento em que meu pai botou os olhos naquele cavalo, passou a cobiçá-lo. Mesmo já tendo ouvido sua descrição completa, nunca tinha tido a oportunidade de vê-lo. Foi a visão que lhe trouxe a cobiça".

E a velhinha cega, do alto da sua sapiência, imediatamente lembrou-se de uma passagem muito bonita que certa vez alguém lhe tinha lido: “o essencial é invisível aos olhos, mas sensível ao coração...”. Por ser cega de nascença, só tinha tido o privilégio de enxergar com o coração. Talvez, se ela pudesse enxergar como as crianças, provavelmente teria, ao longo de sua longa vida, sucumbido ao mesmo mal. E percebeu que não tinha o direito de julgá-las.

11 novembro 2007

Criando o bicho solto: um professor e seus alunos

O que acontece quando estudantes universitários são tratados como adultos – o que de fato são, e são deixados livres para agirem sob as ordens de suas próprias consciências? Para os casos onde essa consciência permite que o aprendizado seja construído “nas coxas”, deve o professor tomar uma atitude repreensiva? Ou o melhor a fazer é deixar que cada um colha os respectivos frutos?

Faculdade, dia de prova. Os alunos, no entanto, não parecem muito apreensivos. Eles sabem que, no final das contas, o professor vai acabar aliviando. Durante a prova, a cola come solta e as questões são resolvidas em grupo, em uma demonstração de espírito de coletividade de dar inveja a Karl Marx.

No primeiro dia de aula, o professor havia explicado sua metodologia de trabalho. Dissera ele: “Não estamos mais no primário, vocês são adultos, não cabe a mim ficar controlando freqüência ou servindo de babá de marmanjo para ver se alguém está colando. Vocês devem ser responsáveis pelos seus atos, se agirem de má fé, mais cedo ou mais tarde serão naturalmente selecionados pelo mercado de trabalho”. Num primeiro momento, até dei razão para ele. Passadas algumas aulas, porém, fiquei pensando se esse tiro não correria o risco de sai pela culatra.

Não raro, estudantes acabam produzindo mais quando se vêem em situações incômodas. Diante de uma nota humilhante ou da perspectiva de uma reprovação, a dedicação costuma surgir, atingindo níveis até bastante significativos. Mais do que nunca, a necessidade faz a ação. Quando não há cobrança de espécie alguma, os alunos, por mais adultos e responsáveis que sejam, acabam se dando ao luxo de estudarem o mínimo necessário, apenas o suficiente para alcançarem a aprovação. Obviamente, isso passa longe do ideal. Para alguém que trabalha durante o dia e freqüenta a faculdade durante a noite, é perfeitamente compreensível odiar a idéia de ter professores exigentes e que tenham por hábito abarrotar seus alunos com exercícios e trabalhos. No entanto, os que tiverem o mínimo de discernimento, vão acabar se dando conta que a única maneira de evitar maiores turbulências é achatar o traseiro na cadeira durante um ou outro final de semana.

Com exceção dos CDF´s de plantão, capazes de promoverem sessões de auto-flagelação quando perdem pontos nas avaliações, as pessoas “normais” geralmente se dão por satisfeitas quando atingem a aprovação plena, especialmente quando conseguem realmente aprender o que foi ensinado. Até aí nada de errado, já que a assimilação do conteúdo é de longe muito mais importante do que uma nota de dois dígitos no boletim.

Grave mesmo são os casos onde a aprovação é obtida exclusivamente na base da cola. Para estes casos, talvez o professor não devesse omitir o controle sobre seus alunos, certificando-se que os estudantes estão pelo menos buscando o aprendizado e não a decoreba. É uma lástima constatar o semi-analfabetismo de alguns alunos do ensino superior, incapazes de expressarem-se de forma satisfatória pela linguagem escrita, ou as vezes até mesmo oralmente. Já nas exatas, um aluno pode, nos casos mais extremos, ser capaz de resolver uma equação até bem cabeluda sem entender bulhufas do que está fazendo, apenas seguindo as famosas “receitas de bolo”.

A busca pelo diploma universitário tem feito com que bastante gente se esqueça de que o “canudo” é só o primeiro pré-requisito para se alcançar uma posição gratificante no mercado de trabalho. Outros tantos incluem responsabilidade, disposição, o gosto pela profissão, a dedicação, além é claro, do verdadeiro domínio do conhecimento inerente a sua área de atuação, que se espera ter sido construído junto com o diploma, o pedaço de papel que atesta a existência desse conhecimento. É uma pena, mas vistos sob este ponto de vista, alguns diplomas são verdadeiros cheques sem fundo.

04 novembro 2007

A TV e seus serviços de inutilidade pública


Domingo passado, 28 de outubro, o programa Fantástico prestou grande serviço a um grupinho de marginais da cidade de São Paulo. O programa apresentou uma reportagem estrelada por um punhado de cabeças ocas e desocupadas, que se auto-intitulam punks, e que costumam promover vandalismos, pancadarias e outras atividades de confraternização pelas ruas da cidade. A última delas tinha sido uma surra em um skinhead (vide figura), que por sua vez, certamente não estava na rua com intuito de comprar o remedinho para sua avó doente.

A molecada deve ter adorado a reportagem, bastante esclarecedora por sinal. Agora o Brasil inteiro conhece o nome das suas ganguezinhas fedorentas, além de entenderem direitinho como surgiram, em que área atuam, quem tem treta com quem, essas coisas. Enfim, foi um espaço de divulgação que qualquer grupo artístico daria tudo para conseguir.

Ao invés de destaque, esse tipo de gente mereceria ser ignorada, preferencialmente dentro de uma cela. Por outro lado, com divulgação em rede nacional, a rapaziada já pode estufar o peito e sair por aí dizendo: “Você viu? Saiu uma reportagem sobre a minha gangue no Fantástico”. Vai chover candidato a membro no clube do bolinha.

Vira e mexe e a imprensa vem com uma cagada nova. Coisa pior aconteceu na época em que a Força Aérea Brasileira estava regulamentando a lei que autoriza o abate de aeronaves que servem ao tráfico de drogas, voando principalmente na região amazônica. Na ocasião, os noticiários fizeram um grande favor aos traficantes, avisando-os que os aviões não seriam abatidos se houvesse crianças a bordo. Não preciso dizer mais nada não é mesmo? Todas as criancinhas carentes da região passaram a ganhar vôos panorâmicos de presente, onde a única exigência era que estampassem permanentemente seus rostos na janela e acenassem para os aviões de caça que eventualmente lhes vinham fazer companhia.

Liberdade de imprensa ou irresponsabilidade? Seja lá qual for o nome disso, a televisão deveria ter consciência que a exposição de certos conteúdos nem sempre é recomendável. Mas experimente falar em controle, restrição ou critérios de exibição para ver se você não é logo taxado de defensor da ditadura e da censura...

Se é do agrado dos produtores gerar e transmitir tanto lixo, que o façam então. Mas pelo menos parem de ministrar verdadeiras tele-aulas para a bandidagem. Parem de mostrar em detalhes como um ladrão profissional abre um carro, como se desarma um sistema de segurança, qual a melhor maneira de invadir uma casa. Parem de exibir detalhes dos planos infalíveis de roubos a bancos, como se domina um segurança, como é que se foge da polícia, parem de colocar idéias na cabeça de desocupados e parem de encher a bola de marginaizinhos que andam por aí fazendo pose de “mamãe-sou-malvado”. Falta de assunto para colocar no ar nunca houve. O que tem faltado mesmo é um pouco de bom senso.

29 outubro 2007

Caveira, meu capitão!

Você considera o BOPE desumano? Ou você o vê como um mal necessário? Ou ainda, você saiu tão empolgado do cinema que foi direto comprar um pôster do Capitão Nascimento e agora só trata seus amigos por 02, 04 ou xerife? Faça aqui o teste.

O filme tropa de elite está fazendo o maior sucesso. É o assunto do momento. É tema de debates filosóficos e também de outros, nem tão filosóficos assim. Verdade seja dita, o filme é empolgante mesmo. Mas é violento, é forte. Apesar destes ingredientes, apresenta um diferencial interessante sobre certas produções ianques medíocres, onde as atrações limitam-se ao sangue cenográfico atirado aos baldes nos telespectadores e seus personagens, figurantes morrendo e berrando do início ao fim – geralmente berrando primeiro e morrendo depois. No filme do BOPE, também tem muita gente berrando, e, diga-se de passagem, dando bastante ênfase aos colóquios de conotação sexual... Apesar disso, Tropa de Elite tem um algo a mais. Para começar, ele te prende na poltrona, de verdade. Assistindo ao filme no cinema, sem o recurso do botão de pausa, quase molho as calças por me recusar a ir ao banheiro, arriscando assim a perder alguma cena importante. O filme também nos faz pensar bastante, é um verdadeiro convite à reflexão. Narrado por um oficial do Batalhão de Operações Policiais Especiais, ele mostra as ações de repressão ao tráfico de drogas nos morros cariocas, sob o ponto de vista daquele batalhão.

Com a divulgação do filme, os homens de preto da polícia do Rio acabaram conquistando uma legião de fãs, mas, como não poderia deixar de ser, também são a pedra no sapato de muita gente. Ambos os times, fãs e incomodados, baseiam suas opiniões em argumentos já bastante conhecidos. É sabido, por exemplo, que não só de traficantes vive o morro. Além disso, argumenta-se que nem mesmo os criminosos poderiam ser sumariamente executados, mas sim encaminhados à justiça, para serem julgados, sentenciados e, após cumprirem a pena cabível, serem reabilitados e reintegrados à sociedade. Em se tratando da Justiça e do sistema carcerário brasileiro, isso infelizmente acaba soando como um conto de fadas. Sendo assim, e já que papel aceita tudo, por que não criar um final mais bonito para este conto: O traficante reabilitado salvaria a princesa das garras do dragão, casar-se-ia com ela e viveriam felizes para sempre no reino do samba, da caipirinha e das mulatas.

Voltando ao planeta Terra, vemos, do outro lado da discussão, os simpatizantes do BOPE, que, fartos da guerrilha urbana promovida pelos chefes do tráfico, apostam todas as suas fichas nos policiais treinados para guerra, combatendo a todo o custo a criminalidade que há tanto tempo atormenta a cidade maravilhosa. Mas, por falar em chefes do tráfico, quem são eles afinal de contas? Seriam os patrões do morro? Ou seriam os engravatados, donos das indústrias de processamento e distribuição das drogas?

É preocupante, no entanto, ver a maneira como a garotada geralmente reage ao filme. Na saída do cinema, exclamações do tipo “O BOPE é que tá certo, tem é que matar tudo mesmo” são bastante comuns. Há de se ter cuidado. Não é prudente condenar o BOPE e impedir sua ação, mas também não se deve incutir nas pessoas essa sede de sangue. Até porque, estas mesmas pessoas podem perfeitamente estar sendo coniventes, ou até mesmo cúmplices do tráfico, como tão bem apontaram algumas cenas do filme.

Quando penso no BOPE, acabo fazendo algumas analogias. Vejo nele uma ferramenta ou recurso que deveria estar sempre disponível, mesmo que não seja usado, como por exemplo, um extintor de incêndio. Quando um grande edifício é construído, todo um sistema de prevenção de incêndios é elaborado. As instalações elétricas são dimensionadas, materiais anti-chama são selecionados, usuários são orientados sobre atividades de risco, enfim, tudo é feito para se evitar um princípio de incêndio. Apesar de se esperar que o prédio nunca pegue fogo, não se abre mão do extintor de incêndio. Ele precisa estar lá, pois se o fogo surgir, deveremos possuir meios de combatê-lo.

O BOPE seria esse extintor de incêndio. Ele não é a solução para os problemas do tráfico, é apenas um recurso usado para controlá-lo. Se seu efeito é ou não decisivo no combate à violência, já são outros quinhentos, mas de qualquer forma, não se pode deixar os traficantes agindo ao bel-prazer, para tomarem conta da cidade. A real solução é bem mais complexa. É o combate ao sucateamento da educação e à desigualdade social. Resumindo, é toda aquela história que já virou até clichê de campanha eleitoral, uma conversa que, apesar de estar mais gasta que fundilho de tropeiro, nunca deixou de ser verdade.



01 outubro 2007

É, estou ciente que isso aqui anda devagar...

Estou demorando para postar devido a algumas condições adversas... Não, ainda não foi dessa vez que eu desisti disso aqui. Preciso tocar adiante uns trabalhos paralelos que estão com o prazo perto do fim.

Em breve uma atualização que preste...

23 setembro 2007

E que venha a Burocracia!

Ai de nós, moradores de casas de estudantes, engajados com a conservação da sua estrutura física, tentando salvá-la das ameaças constantes das paredes mofadas, das fossas entupidas e das telhas rachadas. Ai de nós, estudantes a quem foi designado o trabalho hercúleo de reunir a documentação que viabilizará, quem sabe, um repasse de recursos financeiros, capaz de livrar nossa casa dos males citados. Para tanto, somos conduzidos através dos corredores frios e escuros das partições públicas, verdadeiras masmorras onde somos aprisionados por horas a fio, em busca de valiosas folhas de papel timbradas, carimbadas e assinadas.

Depois de superado o sufoco e concluído o garimpo, chega a ser cômico apreciar a montanha de papéis que é preciso juntar para provarmos que estamos habilitados a receber o tal benefício. Certidão disso, comprovante daquilo, declarações e atestados aos quilos. Para solicitar um documento é preciso emitir outros cinco. Para validar esses cinco, outros quinze devem ser autenticados em cartório, criando assim uma bola de neve, que esperamos, não venha a rolar por sobre nossas cabeças.

É mais um capítulo da odisséia brasileira da inversão de regras e valores. Hoje, acompanhamos as aventuras de 16 estudantes universitários, que assim como o resto dos brasileiros, já nasceram estelionatários e precisam despender muito tempo até conseguirem provar o contrário. Para isso, partem em busca da pilha de papéis mágicos, o único artefato que tem o poder de convencer os órgãos públicos que estes estudantes pretendem dar o correto fim ao dinheiro recebido.

Provar que somos idôneos não é tarefa das mais fáceis. Se pelo menos fôssemos políticos influentes ou mega empresários, a coisa mudaria de figura. Neste caso, seríamos automaticamente transformados em pobres vítimas de acusadores inescrupulosos, que surgiriam a todo o momento tentando nos derrubar.

A tão mal falada burocracia, ou “burrocracia”, como alguns preferem chamá-la, apesar de sua incrível habilidade de trancar processos, atrasar obras, ou até mesmo impedir procedimentos que salvam vidas, segue ditando o ritmo de crescimento do país. É uma pena que, diante da ganância natural do bicho homem, surja a necessidade de se criar cada vez mais artifícios na tentativa de conter a corrupção. Com tantas barreiras, esperava-se que fosse impossível, ou pelo menos muito difícil praticá-la. Lamentavelmente, a única dificuldade imposta pela papelada parece ser mesmo a quantidade de tinta requerida para impressão dos documentos frios. Talvez, um sistema mais enxuto, e consequentemente, mais inteligente, pudesse se tornar também um pouco mais eficiente.

Enquanto isso não acontece, seguimos desbravando valentemente essa floresta de papel. A menos que você seja um marciano ou um indigente, terá que se embrenhar pelo mesmo caminho em algum ponto da sua vida. Quem nunca teve a honra de praguejar contra este patrimônio da administração pública, que se apresente: pegue uma senha no balcão, preencha três guias de cadastro, autentique sete cópias com reconhecimento de firma em cartório, pague as taxas devidas e por gentileza, tenha a bondade de liberar o balcão.

O próximo!




16 setembro 2007

O lado “Renan Calheiros” de todos nós

Diante de todo esse bafão gerado pela absolvição do atual presidente do Senado Federal, os jornais, as revistas e a internet ficam repletos de reportagens e comentários de gente indignada por conta da mais recente e indigesta pizza servida no planalto central. O repúdio comeu solto e a esmagadora maioria não poupou ofensas pessoais aos excelentíssimos caras de pau responsáveis pela absolvição de alguém que, ao que tudo indica, andava fazendo bastante caca por aí. Os mais exaltados expressavam, de forma não muito polida, sentimentos que iam da vergonha ao nojo.

Atos como estes são perfeitamente compreensíveis. Nosso primeiro impulso, diante do sorriso de deboche do acusado, é xingar os senadores até a quinta geração, sem esquecer, é claro, do nosso líder maior, nosso guru da administração, nosso presidente, o homem com a visão além do alcance, que sempre vê o que ninguém mais consegue enxergar, e que insiste em tratar as crises do seu governo como se fossem o filho malcriado do vizinho.

Já faz muito tempo que os brasileiros queixam-se de seus representantes. Tenho portanto minhas dúvidas, sobre até que ponto isso basta para que algo efetivamente mude de rumo nessa política adoentada.

Há um dito popular que afirma: “Se você quer realmente conhecer uma pessoa, dê poder a ela”. Pensando assim, há de se questionar se todos os que hoje protestam, seriam totalmente incapazes de se corromperem, caso lhes fosse apresentada uma oportunidade. Será que estamos com tanta moral assim? Olhemos à nossa volta. Diariamente, incontáveis desvios de conduta são praticados. Joga-se lixo no chão, furam-se filas, falsificam-se carteiras estudantis para pagamento de meia-entrada, só para citar alguns exemplos. Centenas de Malufes, Renanzes, e Dirceus em fase de incubação circulam impunes por aí.

Nos ditos países civilizados, costumamos invejar a educação da população. Aqui no Brasil, ridicularizamos quem gosta de andar na linha. Pejorativamente conhecidos como “certinhos” ou “quadrados”, as pessoas que seguem as regras do jogo são normalmente vistas como chatas, previsíveis e desinteressantes, incapazes de usufruir o que a vida tem de melhor.

Talvez, a receita para uma política mais ética, inclua menos ingredientes que imaginamos. Dois, pelo menos, não podem faltar. Precisamos de um espelho que nos faça olhar um pouco mais para as nossas próprias atitudes. Precisamos também de uma pitada de coerência, para que não corramos o risco de acabarmos fazendo exatamente aquilo que um dia condenamos (o Lula que o diga).

Quanto aos quarenta senadores que inocentaram Renan Calheiros... Sou capaz de apostar que, em outros tempos, estavam todos aqui, exatamente onde estamos hoje, protestando contra alguma politicagem indigesta.

E segue o baile!

03 setembro 2007

Teatrinho de advogados

Uma excelente opção de lazer tem sido o julgamento dos acusados de envolvimento com o esquema do mensalão. Atualmente em cartaz e estrelando os mais bem pagos advogados brasileiros, esta peça é garantia de divertimento e de boas gargalhadas para toda a família.

A casa de espetáculos do Supremo Tribunal Federal, em mais uma de suas grandiosas apresentações, abriu recentemente espaço para a peça humorística “Meu cliente é um santo”, estrelada pelos advogados de 40 acusados de corrupção, indiciados durante as apurações do esquema do mensalão. Como todo mundo sabe, durante meses a fio, denúncias se multiplicaram, evidências saltaram aos olhos às dezenas e provas inquestionáveis abarrotaram os armários dos relatores das CPI´s instauradas. Apesar disso, em um atentado ao senso do ridículo, os advogados desses senhores alegaram, um a um e com a maior cara de pau, a inocência de seus clientes, classificando as denúncias como "ineptas", "imprestáveis", "ridículas", "omissas" e "desprovidas de base fática". Como eles falam bonito!

Qual será a origem desses artistas? Se retrocedermos no tempo, encontraremos um deles, na ocasião, apenas um estudante de teatro, desistindo do curso de artes cênicas e ingressando na faculdade de Direito. Depois de algum tempo, gradua-se e passa na prova da OAB. O talentoso ator torna-se então um advogado. Aluga uma sala em um prédio comercial no centro da cidade, intitula-se “doutor” e manda pintar uma plaqueta com seu nome para ser pregada na porta do escritório. É o orgulho da família e a salvação dos rapazes elegantes de mão ligeira.

Os anos passam e nosso personagem passa a ser renomado. Causas milionárias surgem a todo o momento, e ele passa a ser contratado frequentemente para atuar na defesa de políticos corruptos (os rapazes elegantes de mão ligeira). Ao examinar um caso desses, em que o réu se diz inocente, geralmente lhe restam três alternativas: 1- Desistir imediatamente do caso, deixando o pepino para o Tom Cruise resolver, afinal missão impossível é com ele mesmo. 2- Não buscar a absolvição do réu, mas tentar amenizar ao máximo a pena que certamente será imposta, descolando algum atenuante. 3- Fazer papel de palhaço diante de 180 milhões de pessoas ao afirmar com todas as letras que o réu é inocente, que todos os flagrantes, os grampos telefônicos e as irregularidades são mero produto da nossa imaginação.

Curioso é ver como eles acreditam que, por mais esdrúxulas que sejam suas histórias, sempre irão conseguir convencer as pessoas, bastando apenas que o texto seja declamado em tom de profecia do apocalipse, em uma postura teatral e com enredo de novela mexicana. Isso chega a ser um insulto, uma afronta à inteligência alheia! Se eu fosse advogado, sentiria vergonha ao testemunhar alguém esculhambando e expondo ao ridículo minha classe profissional dessa forma. Será que os colegas da Ordem não se sentem mal com isso?

Alguns julgamentos, devido a carga excessiva de fábulas, acabam tomando a forma de um festival de anedotas. Além dos tribunais, estas também podem ocorrer em outros recintos, tais como pescarias ou mesas de bar. Em algumas cidades, inclusive, organizam-se verdadeiros campeonatos deste tipo, onde os competidores sobem em um palco, contam uma história cabeluda recheada de “fatos” insólitos e ficam aguardando ansiosamente a nota do juiz da competição. Notaram alguma semelhança?

Pela nossa lei, qualquer um tem direito a um advogado, até mesmo um serial killer. Mas qual o papel do advogado de um serial killer? Seria por acaso mostrar ao júri que o estripador está profundamente arrependido de seus crimes e por isso pedir sua absolvição? Afirmar que ele está tentando se reintegrar à sociedade, tendo inclusive sido contratado como recreador infantil em uma creche da vizinhança? Além de patético, forçar a barra desta maneira não parece ser nada ético. Muito mais sensato foi o advogado de brasileiros flagrados recentemente em situação ilegal nos Estados Unidos. Este advogado, ao invés de tentar provar que os clientes foram capturados por marcianos e tele-transportados involuntariamente da Bahia para Las Vegas, simplesmente tratou de tomar todas as ações cabíveis para que a burocracia inerente à deportação fosse superada da forma mais rápida e menos desgastante possível.

Por ouro lado, fico realmente impressionado com a veia artística dos nossos advogados. Penso até em contratar um dos bons. Acontece que ando comendo muita pizza ultimamente. Se eu virar um gordão, tratarei de processar aquela pizzaria vilipendiosa, inepta e imprestável, por produzir pizzas tão deliciosas.

29 agosto 2007

Novelas, um mal desnecessário

Enredos e tramas previsíveis? Muito mais previsíveis são os danos causados por essa praga, que há décadas vem acorrentando espectadores aos pés das televisões, ditando moda e distorcendo valores.

Mais cedo ou mais tarde virá uma nova novela das oito. A equipe do Cenas-do-Cotidiano, em um incrível furo de reportagem, conseguiu uma entrevista exclusiva com o autor, que por motivos ainda desconhecidos, entregou de bandeja vários detalhes exclusivos dessa nova trama, que certamente vai prender você e seus familiares na poltrona por meses a fio...

Na base do enredo, haverá uma família rica, poderosa e influente, já que isso não pode faltar. Ocasionalmente, serão também retratadas pessoas “comuns”, embora os diretores conheçam muito bem a preferência dos telespectadores por cenários pomposos, ao invés de oficinas mecânicas e seus funcionários sujos de tinta guache. O patriarca da família rica será um poderoso executivo de uma mega empresa qualquer, cheia de dólares nas ilhas Cayman. O ramo de atuação da empresa não ficará claro para o público, mas seja lá qual for, ela será comandada com braço de ferro pelo poderoso figurão, sempre impecavelmente trajado. Todas as transações retratadas serão realizadas em dólar, já que nesses ambientes não haverá espaço para a moeda tupiniquim.

O figurão logicamente terá uma filha muito bonita, que invariavelmente vai se apaixonar por algum rapaz “humilde”, muito fofo, com cara de teletubie. E como isso vai acontecer? Bom partido evidente, a mocinha já estará prometida em casamento ao filho de outro aristocrata qualquer, cuja identidade não virá muito ao caso. O sujeito, típico mauricinho boa pinta, será malvado, muito malvado. Apesar de já defecar dinheiro, vislumbrará o casamento como um meio de pôr as mãos na bufunfa do velho sogro. A maneira indiferente e insensível do filhote de burguês tratar a mocinha, fará com que ela, já cabisbaixa, passe a prestar atenção ao menino bonzinho com cara de teletubie. O moço vai passar 358 capítulos ciscando o território, sendo vítima de inúmeras tramóias arquitetadas pela mente malévola do namorado oficial, até que, no antepenúltimo capítulo, vai acabar tirando uma casquinha da beldade, chutando de vez bunda do ex-futuro esposo para escanteio.

Em outro canto da vizinhança, um casal vai quebrar o pau regularmente em intervalos pré-definidos pela preferência nacional. Lá pelo vigésimo quinto capítulo irão se divorciar. A mãe vai acabar tendo um caso com o primo da cunhada, o mesmo que acompanhava seu marido nas inúmeras baladas que ele freqüentava às escondidas. As escapadas do marido, em algum ponto obscuro de um passado longínquo, geraram um filho bastardo, que cresceu acreditando ser filhote de chocadeira, resultado de um acidente de laboratório durante as pesquisas do Projeto Genoma. O filho bastardo descobre que não é apenas um filho da mãe, mas que também tem um pai afinal de contas. Vai descobrir também que sua namoradinha de infância, com quem dava altos amassos no pátio da escola é, na verdade, sua irmã.

Nesse ponto, a trama dará uma reviravolta e se encaminhará para seu desfecho. A menina rica se casará com o cinderelo, em uma cerimônia coletiva, junto com mais dois terços do elenco, todos sob regime de separação de bens. O burguesinho traído passará a lavar pratos em um restaurante chinês na Baixada Fluminense, após a fortuna do seu pai evaporar com uma súbita queda da bolsa de Tóquio. O ex-filho de chocadeira, diante do choque causado pela revelação de seu passado negro, muda-se para as ilhas Galápagos, onde funda uma nova seita religiosa, passando a pregar a libertação dos dragões de komodo e das tartarugas gigantes.

E assim terminará mais uma linda história de amor.

O ministério da saúde adverte:
1- Assistir novelas causa sérios danos à integridade mental. Aprecie com moderação, ou de preferência, abstenha-se.
2- Leve a sério o aviso acima, não se trata de ironia ou piada.
3- Não caia na papagaiada de que novela retrata a realidade. As pessoas interpretam o que assistem como sendo realidade, e passam a considerá-la como tal, e não o contrário.
4- Moleques inconsequentes criados por pais bananas não chegam a lugar algum. Em algum ponto de suas vidas serão removidos do tacho pela escumadeira que recolhe a escória.6-Famílias desestruturadas e desmoralizadas geram jovens acéfalos que irão surrar mendigos e empregadas domésticas em pontos de ônibus. Depois ninguém vai entender como universitários de boa família foram capazes de tamanha barbaridade.

25 agosto 2007

Novelas, um mal desnecessário.

Enredos e tramas previsíveis? Muito mais previsíveis são os danos causados por essa praga, que há décadas vem acorrentando espectadores aos pés das televisões, ditando moda e distorcendo valores.

Vem aí uma nova novela das oito. A equipe do Cenas-do-Cotidiano, em um incrível furo de reportagem, conseguiu uma entrevista exclusiva com o autor, que por motivos ainda desconhecidos, entregou de bandeja vários detalhes exclusivos dessa nova trama, que certamente vai prender você e seus familiares na poltrona por meses a fio...

Na base do enredo, haverá uma família rica, poderosa e influente, já que isso não pode faltar. Ocasionalmente, serão também retratadas pessoas “comuns”, embora os diretores conheçam muito bem a preferência dos telespectadores por cenários pomposos, ao invés de oficinas mecânicas e seus funcionários sujos de tinta guache. O patriarca da família rica será um poderoso executivo de uma mega empresa qualquer, cheia de dólares nas ilhas Cayman. O ramo de atuação da empresa não ficará claro para o público, mas seja lá qual for, ela será comandada com braço de ferro pelo poderoso figurão, sempre impecavelmente trajado. Todas as transações retratadas serão realizadas em dólar, já que nesses ambientes não haverá espaço para a moeda tupiniquim.

O figurão logicamente terá uma filha muito bonita, que invariavelmente vai se apaixonar por algum rapaz “humilde”, muito fofo, com cara de teletubie. E como isso vai acontecer? Bom partido evidente, a mocinha já estará prometida em casamento ao filho de outro aristocrata qualquer, cuja identidade não virá muito ao caso. O sujeito, típico mauricinho boa pinta, será malvado, muito malvado. Apesar de já defecar dinheiro, vislumbrará o casamento como um meio de pôr as mãos na bufunfa do velho sogro. A maneira indiferente e insensível do filhote de burguês tratar a mocinha, fará com que ela, já cabisbaixa, passe a prestar atenção ao menino bonzinho com cara de teletubie. O moço vai passar 358 capítulos ciscando o território, sendo vítima de inúmeras tramóias arquitetadas pela mente malévola do namorado oficial, até que, no antepenúltimo capítulo, vai acabar tirando uma casquinha da beldade, chutando de vez bunda do ex-futuro esposo para escanteio.

Em outro canto da vizinhança, um casal vai quebrar o pau regularmente em intervalos pré-definidos pela preferência nacional. Lá pelo vigésimo quinto capítulo irão se divorciar. A mãe vai acabar tendo um caso com o primo da cunhada, o mesmo que acompanhava seu marido nas inúmeras baladas que ele freqüentava às escondidas. As escapadas do marido, em algum ponto obscuro de um passado longínquo, geraram um filho bastardo, que cresceu acreditando ser filhote de chocadeira, resultado de um acidente de laboratório durante as pesquisas do Projeto Genoma. O filho bastardo descobre que não é apenas um filho da mãe, mas que também tem um pai afinal de contas. Vai descobrir também que sua namoradinha de infância, com quem dava altos amassos no pátio da escola é, na verdade, sua irmã.

Nesse ponto, a trama dará uma reviravolta e se encaminhará para seu desfecho. A menina rica se casará com o cinderelo, em uma cerimônia coletiva, junto com mais dois terços do elenco, todos sob regime de separação de bens. O burguesinho traído passará a lavar pratos em um restaurante chinês na Baixada Fluminense, após a fortuna do seu pai evaporar com uma súbita queda da bolsa de Tóquio. O ex-filho de chocadeira, diante do choque causado pela revelação de seu passado negro, muda-se para as ilhas Galápagos, onde funda uma nova seita religiosa, passando a pregar a libertação dos dragões de komodo e das tartarugas gigantes.

E assim terminará mais uma linda história de amor.

O ministério da saúde adverte:

1- Assistir novelas causa sérios danos à integridade mental. Aprecie com moderação, ou de preferência, abstenha-se.

2- Leve a sério o aviso acima, não se trata de ironia ou piada.

3- Não caia na papagaiada de que novela retrata a realidade. As pessoas interpretam o que assistem como sendo realidade, e passam a considerá-la como tal, e não o contrário.

4- Traição não se justifica. “As cenas são formadas de modo que o telespectador seja levado a até desejar que o adultério se consuma, por causa da "maldade" do cônjuge traído” (Felipe Aquino).

5- Moleques inconsequentes criados por pais bananas não chegam a lugar algum. Em algum ponto de suas vidas serão removidos do tacho pela escumadeira que recolhe a escória.

6-Famílias desestruturadas e desmoralizadas geram jovens acéfalos que irão surrar mendigos e empregadas domésticas em pontos de ônibus. Depois ninguém vai entender como universitários de boa família foram capazes de tamanha barbaridade.

E aos responsáveis pela disseminação desse lixo: Estejam cientes do mal que estão promovendo.

18 agosto 2007

Rede Globo treme... e o bom senso também.

Você provavelmente já deve ter recebido, em algum momento de sua vida, aquele email repassado de mão em mão, falando mal da Globo e de como ela se aproveita das criancinhas e da boa vontade daqueles que contribuem com o Criança Esperança. Em quem depositamos nossos créditos? Ou melhor, no que baseamos nossas conclusões?

Circula na internet um email desencorajando aqueles que porventura doaram ou pensam em doar algum dinheiro ao programa “Criança Esperança”, da Rede Globo de televisão. Sinceramente, não entendi o objetivo deste email. Seria alguma espécie de campanha contra as doações? Descobriram (ou provavelmente inventaram) que a Rede Globo se beneficia do programa através de abatimentos em seu imposto de renda, e por conta disso, criou-se o lema: Ninguém mais doa um centavo! Ninguém dá à Globo o gostinho do desconto no imposto! Que se rale a Unesco e as instituições atendidas pelas doações, o importante é que a Globo não deduza!

Se o problema todo é o beneficiário da dedução do imposto de renda, ou se estamos simplesmente descontentes pelo o fato da Globo pagar menos impostos, podemos resolver o impasse de outra forma. Peguemos, por exemplo, 7, 15 ou 30 reais e doemos diretamente às instituições apoiadas pelo programa, ou para qualquer outra de nossa preferência. Fazendo isso, será o nosso próprio imposto que sofrerá o abatimento, viu como é fácil? E por acaso alguém vai fazer isso? Claro que não! Somos eficientes em reclamar, mas a eficiência acaba aí. Se por um lado somos incapazes de destinar um mísero real para ajudar terceiros, por outro, somos categóricos e unânimes em condenar “O MONSTRO CAPITALISTA E SUAS PRÁTICAS IMUNDAS”. Ainda que tudo seja verdade e que estejam mesmo arranjando para si alguma conveniência, ao menos a iniciativa está sendo tomada e o recurso levantado, coisa concreta, palpável, e mais importante, pra já. Vão deduzir? Pois que deduzam então!

Temos que convir, no entanto, que aturar aqueles shows medíocres com canções dubladas e “artistas” que posam de bons moços e proferem clichês manjados e decorados às vésperas, constitui desafio quase tão grande quanto erradicar a pobreza do Brasil. Apesar disso, que bom seria se cada emissora arranjasse um jeito parecido de abater alguns milhões de seus impostos. Além do mais, sempre temos a opção de desligar a TV, prática altamente recomendável nos dias de hoje.

Esse é o nosso mal. Sempre procuramos defeitos nas idéias dos outros, enquanto nós mesmos somos incapazes de pensar em coisa melhor. Por coisa melhor, entendam-se ações concretas com resultados mensuráveis e não devaneios ideológicos e inatingíveis.

O email é categórico em denunciar uma ação, mas por acaso mostra alguma proposta ou idéia alternativa? Não, simplesmente prega que não doemos mais coisa alguma. A Globo que pague seus impostos e as criancinhas desnutridas que se explodam, porque nós vamos ficar aqui sentados no sofá, proferindo os mesmos discursinhos enlatados de sempre, reclamando da Globo, do governo neoliberal, das monoculturas, dos burgueses, dos latifundiários, do Bush e do papai Noel, mas não vamos mexer uma palha para fazer a coisa ACONTECER, seja deste modo ou de qualquer outro.

Para quem estiver interessado, aí está o link do referido email:
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/08/390104.shtml

E aqui, a resposta da Globo:
http://criancaesperanca.globo.com/CEsperanca/upload/esclare.htm

11 agosto 2007

Despedida...


Admirando o vazio do precipício tomado pelo nevoeiro que, simultaneamente, esconde seu fundo e carrega o meu pensamento para algumas centenas de quilômetros dali.

Amanhã, fecharei atrás de mim um portão e o caminho não terá mais volta. Seguirei trilhando, traçando meu próprio destino.

Olho o horizonte e me deparo com o pôr-do-sol, cujos raios atingem as nuvens, tornando-as ruborizadas como longos cabelos ruivos ao sabor do vento. Ao que me despeço de tão belo cenário, me flagro a contemplar o que, aos meus olhos, surge como um sorriso, a me desejar boa viagem.

A bela nuvem avermelhada se vai, deixando em seu rastro o céu semeado para o nascer de um novo dia, tão logo a escuridão da noite seja novamente vencida pelo astro rei.

29 julho 2007

Um caos nem tão aéreo assim

Nestes tempos pós acidente aéreo, tornou-se muito chato assistir televisão. Todos os noticiários exploram exaustivamente a notícia do Tam 3054. Cada gota de informação, mesmo que de pertinência duvidosa, vem sendo cuidadosamente extraída e exposta na mídia. Como consequência, o tema tem sido batido, moído, torcido... É curioso ver a maneira como a imprensa cai em cima de assuntos dramáticos feito moscas no lixo, assuntos que antes de virem à tona, ninguém dava a mínima. Longe de questionar a seriedade dos fatos, a verdade é que se exagera bastante na cobertura em alguns pontos, como fez uma emissora de TV ao dedicar bons quarenta minutos de transmissão ao vivo à aguinha da chuva que escorria pela quina da pista de pouso danificada em Congonhas.

É um tanto irritante ver o gosto dos caras pelo sensacionalismo, como se tivessem prazer em ver a coisa cada vez mais cagada, só para poderem conclamar com ares de pesar que tudo está escandalosamente errado. Para poderem sustentar as malhações diárias com assuntos sempre fresquinhos, garimpam e escancaram montes de picuinhas que nunca teriam a menor importância, ou que pelo menos não mereceriam constar nas manchetes dos noticiários. Bom para nós, seria poder dizer que é tudo exagero mesmo, puro sensacionalismo barato, mas infelizmente, dependendo do contexto, acaba-se constatando que o sensacional, afinal, não passa muito longe do real.

Por causa desse sensacionalismo e, por que não dizer também, dessa realidade, já enchi o saco do termo “caos aéreo”. Já cansei dos repórteres mostrando exaustivamente, dia após dia, as gananciosas companhias aéreas que fazem overbooking e compensam o transtorno com barrinhas de cereal. Já igualmente maçantes são as cenas de passageiros puxando um ronco atirados num canto, enquanto outros armam o já tradicional barraco no check-in. Câmeras percorrem o saguão e flagram um viajante reclamando que está há sete dias dormindo no aeroporto de São Paulo sem conseguir embarcar para o Rio de Janeiro, sem pensar que talvez, se tivesse tido a brilhante idéia de tomar um ônibus, quem sabe levaria menos de uma semana para cobrir os 430 quilômetros que separam as duas cidades. E o que dizer do cachorrinho que resolveu fazer cocô na pista ou do funcionário da Tam, flagrado tirando meleca do nariz? É luz, câmera, ação!

Sabemos muito bem que o comodismo e o conformismo são os últimos sentimentos que deveriam figurar em uma população representada por um governo apinhado de líderes inconseqüentes, e nesse ponto, o jornalismo brasileiro age certo em cutucar o dodói de certas autoridades. Que esse interesse seja estimulado pelo ideal de se alcançar uma mudança, e não apenas pelos pontos a mais de audiência que uma boa confusão costuma trazer.

Existem não conformidades no setor aéreo? Sim, não restam dúvidas. Os problemas, os culpados e as soluções, são temas por demais complexos, sendo necessárias várias páginas para sequer introduzir o assunto, já que quanto mais se mexe, mais a coisa fede. Aliás, tem sido assim com quase tudo ultimamente. Vamos deixar a resolução dos problemas para aqueles que ganham para isso. Quanto a nós, tentemos dar algum crédito aos nossos representantes, já que fomos nós mesmos que os colocamos lá. E afinal, de que forma cada um de nós, pobres mortais, pode contribuir para pôr um fim aos problemas do setor aéreo? Que tal, antes das próximas eleições, dedicarmos alguns minutos à pesquisa completa sobre os antecedentes de nossos candidatos? Já ajudaria bastante.

07 julho 2007

Hoje, a palmada? Ou amanhã, uma coronhada?

Me deu até peninha, quando vi os pobres rapazinhos tentando inutilmente esconder a cara diante das câmeras, quando foram detidos na delegacia. Coitadinhas dessas crianças, tão repreendidas, só porque resolveram brincar de “surra na doméstica”. É uma brincadeira muito comum e tradicional, especialmente na zona sul do Rio e demais redutos de filhinhos de papai e outros marginaizinhos de vida fácil.

O mesmo tipo de lazer eu vi na televisão, em uma cena de arquivo da emissora, onde um piá de 14 anos, com uma espingarda de pressão, deus uns tiros por aí, mirando e acertando pessoa na rua. A mãe do moleque sacana, com jeito de perua acomodada, apresentou a seguinte declaração: “Se formos analisar bem, veremos que ele não estava atirando. Estava, na verdade, apenas brincando”. Brilhante minha senhora! Sabe que eu nunca tinha parado para analisar a questão sob este ponto de vista? Gostei tanto do argumento que vou, até o penúltimo parágrafo, seguir a mesma linha de raciocínio desta madame, verdadeiro ícone da inteligência suburbana.

Para começar, traficantes cariocas são os jovens mais brincalhões dos quais tenho notícia, esses sim sabem se divertir. Diariamente brincam de guerrinha com seus amiguinhos, os policiais do BOPE que vão até suas casas a bordo do caveirão, aquele carro blindado, bem grandão, todo preto, super legal, que ganharam de natal. É o brinquedo com o qual todo menino pobre do morro sonha, é por isso que ficam tão radiantes e soltam aquelas salvas de tiros de AK-47 em saudação aos colegas que chegam para brincar com eles. Ali ficam durante a tarde toda, só parando quando suas mães os chamam na hora da janta.

Educar, a solução é educar nossas crianças, certo? Mas quem os adultos pensam que são para dizer “não” a uma criança? Que barbaridade, todo mundo sabe que os pais não podem fazer isso, sob o risco de traumatizarem os pobrezinhos. Se seu filho de três anos, por exemplo, atear fogo na sala de estar, não brigue com ele. Sentem-se e tenham uma conversa franca, de homem para homem. Evidentemente, a criatura já tem maturidade suficiente para apresentar argumentos muito bem embasados que podem facilmente justificar seus atos e convencê-lo de que ele estava apenas exercendo seus direitos de pirralho arteiro e mimado, não havendo, pois, motivos para represálias. Você pensou até mesmo em aplicar palmadas corretivas em sua região glútea? Seu animal, grosso e insensível! Não vê que estará criando um monstro dentro de casa? Um delinqüente juvenil crescendo revoltado com tudo e com todos, que vai acabar saindo por aí, também dando palmadas em pessoas nos pontos de ônibus, como uma maneira de extravasar sua fúria interior, reprimida durante anos de educação bárbara e medieval?

Portanto, os policiais malvados que algemaram os meninos na delegacia, deveriam, quem sabe, ter levado as informações acima em conta. Não se faz isso com rapazinhos de família boa, que fazem faculdade e tudo, que só estavam brincando e que nunca imaginaram que uns meros sopapos na cara daquela dona, que estava ali parada esperando seu ônibus, iria deixar as pessoas tão zangadas. Que gente mais escandalosa!

É através de uma correta orientação que uma criança aprende a ser criança, e por conseqüência, transforma-se em um cidadão de bem. Por outro lado, são os filhos de pais acomodados, ausentes e descomprometidos com sua educação que, cada vez mais, povoam festas e boates. Crescem tornando-se apreciadores das “brincadeiras” praticadas semana passada no Rio. As vítimas, por sua vez, aprendem a esperarem sentadas até que os ditos meninos de boa família recebam e cumpram o devido castigo, sem que um pai advogado ou um tio juiz apareçam como vermes aproveitadores, nos furos nas nossas leis corroídas.

30 junho 2007

O extraordinário é demais

Por que um milionário rouba?
As maracutaias, os golpes, os esquemas, as firulas dos políticos e empresários na temporada das CPI´s. Ganha quem conseguir surrupiar mais antes de ser pego.

Uma praga devastadora, comparável aos surtos de peste bubônica na Europa do século XIV, assola as regiões do planalto central. Nunca na história da República, um presidente pôde usar tanto a frase “nunca na história da República”, ao se referir aos fatos recentes da corrupção no país, tamanha a concentração de maracutaias e outros trambiques praticados pela classe dos homens de terno. É uma historinha atrás da outra, ou até mesmo duas ou três simultâneas. Não dá nem tempo da população respirar e se recuperar do soco no queixo desferido pela mão suja de um deputado, quando surge um senador para aplicar um cruzado de direita na boca do estômago do contribuinte. Apesar disso, ainda conseguimos apostar que há espécimes não corrompidos nos representando. A esperança é a última que morre, e a do brasileiro deveria se chamar Highlander, pois a impressão que se tem, é que absolutamente ninguém está a salvo, que todos estão envolvidos em algum esquema, e é apenas questão de tempo para que a próxima tramóia venha à tona.

O mal da ganância atinge o homem de tal forma que ele é movido a amontoar riquezas igualzinho aos esquilos que amontoam suas pilhas de nozes para o inverno. Mesmo em negócios plenamente lícitos, arranca-se o próprio couro, caso seja constatado que isto serve para aumentar o lucro. Enfim, suga-se até o último centavo. A verdade é que quanto mais se tem, mais se quer. Será isso um instinto animal, e por isso imutável, da espécie homo sapiens? Nos casos mais crônicos, velhinhos desviam mais dinheiro do que conseguirão gastar até o final da vida, e outros honoráveis senhores não descansam a mão ligeira enquanto não:

a) São presos;
b) Morrem;
c) Têm o membro amputado ao operarem um moedor de cana.

No nosso caso, o mais prudente é assinalar a alternativa “b”, já que na ocorrência de uma amputação, os avanços da medicina já permitem a implantação de excelentes próteses, capazes de reproduzir fielmente as habilidades originais.

Mas qual é a desses caras? Para que alguém precisa desviar 5 milhões quando já tem outros 50 na conta? Afinal, quanto precisamos para vivermos a vida plenamente? Claro, se você tem dinheiro, vai poder comprar filé mignon ao invés de moída de segunda com sebo, vai poder morar em um apartamento mais “ajeitadinho”, vai poder freqüentar as praias do nordeste ao invés do piscinão do clube, repleto de crianças com incontinência urinária. Até aí perfeitamente compreensível. Mas e os milionários que, de alguma forma, conseguem se convencer que não têm o suficiente? Sempre foi uma questão difícil de entender, até o dia que passo na frente de uma vitrine e contemplo um jeans pela bagatela de R$ 1.500, que alguém mais cedo ou mais tarde vai pagar com gosto, só para desfilar com uma grife de luxo estampada no traseiro. Realmente, nesse ritmo não há mesmo dinheiro que chegue.

Traseiros luxuosos e outras futilidades feitas para satisfazer caprichos de figurões e socialites metidos a besta me fazem lembrar do desenho animado "Mogli - o menino lobo" (Disney, 1967), onde o urso Baloo cantarolava feliz da vida:

"Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais.
Necessário, somente o necessário/ por isso é que esta vida eu vivo em paz..."


O urso Baloo, sem a Polícia Federal na cola grampeando suas ligações telefônicas, sabia muito bem o que significava viver em paz.

24 junho 2007

No dos outros é refresco...

Pois bem, o Grêmio foi derrotado na final da Taça Libertadores da América pelo Boca Juniors da Argentina. Quais as conseqüências deste quase cataclismo? A festa que entraria madrugada adentro foi cancelada? Os fogos de artifícios foram encaixotados? Pobres daqueles que acharam que dormiriam sossegados naquela noite. Até várias horas após o apito final do árbitro, o que se viu e principalmente se ouviu, foi uma queima de fogos de dar inveja a muita festinha de reveillon por aí. Daria até gosto de ver, isso se o horário escolhido não tivesse sido a madrugada de uma quinta-feira.

Mas que raios! Ainda que mal pergunte, qual a razão para tamanha exaltação diante da vitória de um clube argentino? Por acaso estou em Buenos Aires? Por mais curioso que pareça, o palco de toda essa festa é nada menos que Porto Alegre e redondezas, a casa e o quintal do Grêmio Futebol Porto Alegrense. Na verdade, faltou contar um detalhe crucial: também é a casa do Esporte Clube Internacional , o arqui-rival do tricolor gaúcho.

É claro que, para os que respiram futebol, é bastante natural deparar-se com aquele sorriso largo de satisfação no rosto do seu amigo, um torcedor do outro time, frente a uma derrota sua. São coisas da tradicional rivalidade do esporte, muito semelhante na maioria dos estados brasileiros. Mesmo assim, ainda não havia testemunhado nada que fizesse um brasileiro chegar ao ponto de queimar um arsenal pirotécnico e cantar feliz a derrota do Brasil para a Argentina. Logicamente não estamos falando das seleções nacionais, mas os clubes, creio eu, não deixam de ser seus representantes. Grêmio e Internacional são os grandes personagens de uma epopéia onde, muitas vezes, a derrota do adversário pode causar satisfação maior que a gerada pela vitória do seu próprio time.

O Rio Grande do Sul, apesar de possuir além desses dois, outros times de expressão significativa no cenário do futebol nacional, concentra na famosa dupla a simpatia ou o fanatismo de 99% dos nativos desta ponta do país. É um ou outro, opções alternativas são raríssimas ou inexistentes. Obviamente, os times do interior do estado também contam com torcidas numerosas, mas esses torcedores invariavelmente elegem um dos dois times da capital como suplente. Ou então, não estranhem, a suplência é atribuída ao time da própria cidade, ficando o da capital com o assento reservado na primeira classe.

Veja, por exemplo, o que acontece quando alguém se candidata a uma vaga de emprego em uma empresa gaúcha. É bem provável que o interessado se depare com um ficha de inscrição encabeçada da seguinte forma:
Uma dica valiosa: procure descobrir, de antemão, para qual time torce o seu entrevistador.

17 junho 2007

Uma pseudo-tragédia na Casa do Estudante


Terça feira. Ao chegar em casa no final da tarde, noto algo de anormal. A noite já vem caindo, mas a casa está às escuras, a porta da frente está escancarada e os móveis da sala estão espalhados na calçada da frente. Amplio o campo de visão para o telhado e vejo uma das telhas removida. Mas que diabos está acontecendo? Por um momento me passa pela cabeça a idéia de um assalto. Alguém deveria ter entrado pelo forro, revirado tudo, fugido, sei lá, vai saber. Encarando os sofás dispostos no pátio como se estivessem na vitrine de uma liquidação de ponta de estoque, constato que estão encharcados. Neste instante, eis que me cai a ficha. Vislumbrando um verdadeiro cenário de dilúvio dentro da casa, paira no ar um clima de intensa consternação, onde uma única expressão se torna perfeitamente capaz de expressar, em toda sua amplitude, a emoção experimentada diante de tão notório momento: Fudeu! Penso na caixa d’água e logo a imagino em frangalhos, despejando sua ira na forma de mil litros de água tratada sobre os móveis, sobre o som, sobre a televisão, sobre nossas cabeças.

Sozinha em casa estava a Carla, nossa colega chilena, moradora de intercâmbio. Eram cerca de três da tarde quando ela ouviu o barulho de água caindo na sala. Yo estava na cocinha e ouvi barulhos como que cachoeras a cair en la sala. Lo tieto estaba caindo abajo!!! Entón pensei... meu Dios, que está a acontecer??? Felizmente, nossa colega cujo português em situações adversas apresenta a tendência de tomar formas incongruentes, se deu conta que seria uma boa idéia fechar o registro de entrada de água, o que acabou dando um fim à cachoeira domiciliar. Ponto para ela. Mais tarde naquele dia, após checarmos a origem do problema, constatou-se que a água escoara a partir de uma conexão solta na canalização que passa pelo forro da casa. Nada complexo, nada de caixa d’água rompida afinal. Mais vinte minutos e o problema estava resolvido.

Como resultado desta obra do destino (ou mais provavelmente de um encanador relaxado), uma meleca de respeito instalou-se na sala, meleca que nossa hermana prontamente deu cabo, armada até os dentes com rodos e baldes e auxiliada por outros moradores que aos poucos foram chegando. Sofás e estante tomaram um belo banho e devem estar até agora tentando secar. Na pressa de acessar o encanamento a partir do telhado, algumas telhas foram quebradas, como não podia deixar de ser. Só de sacanagem, o dia seguinte amanheceu chuvoso, caso contrário, que graça teria? Falando em graça, classifiquei como obra prima o bilhete escrito pela Carla e publicado nesta página. A tragédia anunciada acabou tomando proporções muito menores das previstas por ela, e a tão temida inundação resumiu-se a poças isoladas. A grande vantagem disso foi não nos privarmos de boas risadas às custas do exasperado bilhete. Obviamente, o fato da casa não ter vindo abaixo também foi bastante relevante.

09 junho 2007

Estudantes negros têm direito a cotas nas universidades? (parte 1)

Volta e meia esse assunto vem à tona. Lei polêmica essa, hein? Qual será a razão para as divergências e, principalmente, quais os motivos para a criação destas cotas? Estaremos combatendo o problema ou apenas camuflando?

Ao que tudo indica, a lei das cotas foi uma forma encontrada para compensar os afro-descendentes pelas exclusões sociais, enraizadas ainda na época da escravidão, quando se plantou a idéia de que os negros eram seres inferiores. Por incrível que pareça, ela até hoje mostra seus reflexos. No final do século 19, quando a escravidão foi abolida, os ex-escravos continuaram de certa forma escravizados, já que a simples condição de homens livres não melhorava em nada sua imagem perante a sociedade da época. Surgia ali um fator que vem até hoje deixando suas marcas, através de estatísticas que mostram que, dentre os miseráveis no Brasil, 70% é de origem negra.

Pois bem, algum bom samaritano sentiu-se incomodado com isso e tratou de pensar em uma forma de acabar com a injustiça. Mas de que jeito? Como arrancar esse conceito burro da cabeça da população? Uma reforma geral no mundo e na mente dos homens? Utópico demais, além disso, levaria muito tempo, algo bem próximo à eternidade. Sem disposição para esperar até quase o dia do juízo final para ver seus ideais se realizando, esse bom samaritano acabou bolando o sistema de cotas para afro-descendentes em universidades públicas, um paliativo que começasse a apresentar resultados a curto e médio prazo, enquanto não se reformula totalmente o ensino público de base, todos sabemos, a solução real e definitiva do problema.

Afinal, o que falta para que se mude de vez essa concepção arcaica, e algumas vezes até “inconsciente” em relação aos negros? Pois só vai começar a mudar quando tivermos alcançado uma equiparação de condições sócio-econômicas entre negros e brancos. E como alcançar a equiparação, ou pelo menos começar a caminhar nessa direção? Pois será alcançada se forem oferecidas as devidas oportunidades, mais especificamente, condições de acesso e permanência ao ensino de qualidade. A partir daí, quem realmente quiser alçar vôo e se dispor a lutar, vai estar em condições de caminhar com as próprias pernas, em direção à quebra dos paradigmas.

Na vida real, o que vemos é um círculo vicioso guiando a história dos brasileiros desfavorecidos. Nascem em famílias pobres e crescem sem condições de estudarem em um bom colégio, já que bom colégio é sinônimo de bom prejuízo. Estudam a vida toda (quando estudam) em escolinhas municipais sucateadas, comendo uma gororoba insólita oferecida na merenda. Passarão em algum vestibular de universidade pública? Tirando algumas exceções de bravos vencedores, a resposta é um sonoro e vibrante não. Não passam nos vestibulares, não conseguem bons empregos, não ganham dinheiro. Vivendo nestas condições, acabam transmitindo uma idéia de inferioridade, sendo contratados para trabalharem como mão de obra barata em sub-empregos. O desfecho é um tanto óbvio. O rapaz conhece uma companheira em situação semelhante. Juntos, e sem dinheiro para comprarem uma televisão, produzem meia dúzia de filhos, meia dúzia que nascem de mais uma família pobre.

E assim se reinicia o ciclo.

(continua semana que vem...)

02 junho 2007

Estudantes negros têm direito a cotas nas universidades? (parte2)

Bem, vamos voltar ao nosso bom samaritano. Eis que um belo dia ele pensou: “Vou criar uma cota especial nas universidades públicas, para garantirmos uma certa porcentagem de estudantes negros na faculdade. Assim, vamos dar a eles mais chances de chegarem a algum lugar. E mais, vamos dar essa chance desde já, e não apenas daqui a quinze gerações quando, quem sabe, por algum milagre ou outro motivo de força maior, alguma coisa seja reformulada no sistema brasileiro de educação”. Como todo protótipo, este projeto também veio com alguns defeitos de fabricação. Baseado apenas no critério da auto afirmação, qualquer playboy albino que descobrisse que seu tataravô tinha sido moreninho, podia auto intitular-se afro-descendente. O candidato mandava fotos para uma comissão que julgava se o pretendente era negro o suficiente. Convenhamos, acabou virando esculhambação. Já o novo release do projeto corrigiu parcialmente esta falha, requisitando a comprovação da carência financeira.

Outro defeito, no entanto, ainda estava evidente. A criação das cotas acabou dando margem à insinuações venenosas, que insistentemente pairavam no ar. Elas traziam a idéia de que o negro só conseguiria passar em um vestibular se competisse com outro negro. Confesso que houve momentos em que fui totalmente contra a instituição dessas cotas raciais, justamente por causa do argumento apresentado acima. Realmente, se o princípio de tudo é a igualdade, exatamente como define a constituição brasileira, por que então incutir nos estudantes esse espírito de segregação? Não seria uma espécie de apartheid? As vezes alguns tiros podem sair pela culatra.

No entanto, independente de opiniões contra ou a favor desta lei, a maioria há de convir comigo que nos agrada muito mais acompanhar os parlamentares discutindo questões desta natureza, ao invés de assistir aos festivais de tapinhas nas costas na maratona do toma-lá-dá-cá. Que bom ver que, apesar de tudo, ainda sobra um tempinho para atenderem o povão lá fora. Esse é o caso do projeto de cotas, criado a poucos anos e já adotado em várias universidades públicas brasileiras. Na minha opinião faltam ajustes, é claro, mas os primeiros passos estão sendo dados. Quem sabe se fossem privilegiados os estudantes carentes, independente de cor, provenientes de escolas públicas? Acredito até que já estejam fazendo isso, não é tão difícil assim encontrar soluções, basta que haja interesse, (não confundir com interesse político, aquela palavrinha nojenta).

Nobres homens e suas idéias – inovadoras ou nem tanto, vocês merecem os parabéns por pelo menos estarem agindo, tomando alguma atitude em direção ao que acreditam ser a solução para um dos milhares de problemas que assolam nosso Brasil, ao invés de apenas criarem barriga, praticando o conformismo e a passividade.

Em uma pequena aldeia chamada Brasília, os habitantes começam a sucumbir, pois a água daquele povoado está acabando. Todos sabem que a muitos metros de profundidade existe um enorme lençol freático e que a salvação está na escavação de um poço, mas ninguém se coça para começar a cavar. Se alguém eventualmente levanta, pega uma pá e começa a cavoucar o terreno, os outros ficam assistindo, sentados à sombra, afirmando que não irá funcionar, que a operação levará muito tempo, que a terra vai desmoronar. E continuam ali sentados, chorando as pitangas por não terem um poço que lhes mate a sede .

26 maio 2007

Resíduos de garimpo na calçada da minha casa

Lá em casa, enfrentamos um inconveniente peculiar. Nosso lixo tem sido deliberadamente “roubado” por indivíduos agindo em plena luz do dia. Atacam geralmente a sós, mas também já foram visto agindo em duplas, violando as sacolas plásticas sem o menor escrúpulo, para terem acesso a garrafas de vidro, latas de alumínio e outras preciosidades recicláveis. Tamanha é a voracidade das abordagens, que estivemos pensando seriamente na possibilidade de instalar um cadeado na tampa da lixeira, exatamente como alguns vizinhos já fizeram. O problema todo dessa história, é que os catadores, com sua fome de lixo, acabam revirando todo o conteúdo a procura dos itens que lhes interessam, deixando de lembrança uma grande lambança.

Não é de hoje que a prática de catar lixo é encarada como uma fonte alternativa de renda, mas com toda essa questão de preservação ambiental na moda, faz sentido que verifiquemos um aquecimento dos negócios para os comerciantes de quinquilharia. A impressão que se tem, é que o lixo anda valorizado na praça, sendo cada vez mais visto como mercadoria. Na verdade, não estou muito convicto se há realmente uma relação entre essas questões, mas vejo as pessoas catarem lixo como nunca, de hora em hora, e diretamente nas residências, certa novidade para mim.

Quando eu era moleque, cheguei a catar latinhas em um estádio de futebol que ficava perto de casa. Ninguém parecia se importar, ou se dar conta do valor do material, por isso me deixavam à vontade para recolher dezenas de quilos de alumínio. Logicamente, acabaram caindo logo na real e proibiram a retirada das latas. Nos meus dias de catador, as latinhas chegaram a dar um lucro considerável. Naquela época, antes do plano real entrar em vigor, comprávamos dólares para fugir da implacável inflação de 40% ao mês. Em algumas empreitadas, era possível faturar cerca de 20 dólares, uma pequena fortuna, quando vista pelos olhos daquele guri de 13 anos. Hoje, se você atirar uma lata de alumínio pela janela, ela nem chega a bater no chão, cai direto na sacola de algum catador. O mercado está muito competitivo hoje em dia, felizmente mudei meu ramo de atuação.

Afinal de contas, devemos ver com bons olhos esse garimpo urbano das nossas lixeiras? E por que não? Além de “gerar emprego”, a prática aumenta o volume de resíduos destinados à reciclagem. Mas, e a sujeira que surge como efeito colateral, como fica? Presenciar a cena de alguém cagando a frente da sua casa é de tirar qualquer um do sério. Só nos resta limpar pessoalmente a imundície ou conviver com ela, raramente há uma terceira opção, já que armas de fogo não estão sendo consideradas como opção nesta análise.

Não podemos vencê-los? Pois bem, juntemo-nos a eles. Na lixeira da Casa do Estudante onde moro com mais 13, estamos implantando o mais novo e moderno sistema “anti-lambança”, o qual esperamos que acabe com a bagunça provocada pelos nômades do lixo. A idéia, que na verdade não é nenhuma novidade, consiste em criar uma divisória na cesta de coleta, depositando em locais distintos, as partes recicláveis e as não recicláveis, devidamente identificadas. Vale ressaltar que sempre tivemos o hábito de separar nosso lixo, só vamos acrescentar a organização da cesta, servindo de bandeja o material reciclável aos interessados. Cascas de frutas e afins vão passar a virar adubo em nosso quintal, uma munição a menos para os franco atiradores da companhia da sujeira.

Se ainda assim resolverem cuspir no prato que comem, paciência, cadeado nela. Será aberta somente para o acesso do caminhão da limpeza pública, ou então para alguém que se comprometa a simplesmente recolher as malditas sacolas sem fuçá-las feito cachorro magro. Vamos ver o que acontece.

20 maio 2007

Habemus inverno!

Mais uma vez o sonho acabou. Cá está novamente o inverno e seu fiel companheiro, o frio. E não estamos falando de friozinho qualquer, mas sim deste clima maligno do Rio Grande do Sul, onde normalmente o verão é um forno e o inverno é um freezer. Tamanha disparidade acaba causando reações diversas nas pessoas, todos têm sua opinião formada sobre o assunto clima, não há muito espaço para indiferença. E assim como há louco para tudo, há também os que detestam o verão tanto quanto eu detesto o inverno. Com bastante esforço, estou aprendendo a tolerá-lo, o que já é um progresso e tanto, considerando os flagelos descritos adiante.

Vamos ao que “interessa”, o inverno da região sul. Sabemos que no Brasil, uma parte significativa e feliz da população ignora o conceito de frio, a não ser quando chupa um picolé ou abre a geladeira, o que não é o caso desta ponta do país, onde se bate queixo de maio a agosto.

Afinal, como se justifica uma simpatia por esse clima do capeta? Eis um dos argumentos que mais ouço: “Ah, adoro o inverno, é tão gostoso, sentar debaixo das cobertas, bem quentinho na frente da lareira, assistindo TV o dia inteiro...” Claro, desse jeito fica mesmo fácil gostar do inverno. Pena que não estamos na terra do nunca, ou na ilha da fantasia. Aqui, no mundo real, não estamos em condições de considerar lareiras, cobertores ou esse ócio extremo que permite ao vivente ficar o dia inteiro tomando chocolate quente debaixo das cobertas e assistindo Ana Maria Braga. Vamos aos fatos, vamos à vida como ela é.

Acordar cedo, já começa por aí. O que já era uma tarefa desagradável torna-se um martírio no inverno. Deixar o aconchego das cobertas para caminhar tremendo feito vara verde até o banheiro é mais complicado do que pode parecer. Uma vez lá, lava-se a cara com água gelada, e também o cabelo, para que este assuma uma forma ao menos aceitável. Na rua, há o trajeto de caminhada, onde um termômetro marcando 5 graus nunca é uma visão muito bonita. Sinceramente, não entendo como alguém em sã consciência pode gostar de andar todo entorpecido, semi-congelado. Deve ser masoquismo.

Como amenizar o problema? Com roupas, é claro, muitas roupas. Após devidamente adaptado para uma caminhada ao ar livre, acabo sentindo-me como uma múmia empacotada para o frete. Já na hora do banho, mais precisamente no momento de fechar a água, o frio desleal ataca com requintes de crueldade o corpo indefeso, que diante do sofrimento iminente, nada mais pode pedir além de alguns segundos de reflexão, essenciais para que se crie a coragem necessária à execução de tão árdua tarefa. E andar de moto? Outro ritual, ainda mais longo e minucioso, tanto na colocação como na retirada dos trajes, nada prático, principalmente durante as famigeradas visitas ao Sr. Water Closet, o WC.

Vamos dar as boas vindas ao inverno, estação dos trens e ônibus lacrados e seus passageiros bichados, distribuindo solidariamente seus vírus. Das roupas que não secam no varal, das mãos entorpecidas ao lavarem a louça. Por outro lado, estação de moças elegantes e charmosas em seus belos casacos, que no verão, serão substituídos por belas saias.

Que saudades do verão...

13 maio 2007

Diplomaticamente falando

Assistindo ao noticiário que mostrava a recepção do presidente Lula ao Papa Bento XVI, fiquei com uma certa impressão que o companheiro não estava muito à vontade. Acabei associando a cena àquela situação, onde o namorado, muito à contra-gosto, se vê obrigado à fazer sala para a família da sogra. Além de fazer sala, nosso presidente ainda se vê obrigado a providenciar um discursinho politicamente correto, para que seja lido diante do Pontífice e das câmeras. Textinho chulé, fraquinho na verdade, onde ficou evidente que o Lula estava ali meramente cumprindo tabela.

E não tinha como ser diferente. Como sabemos, sempre se espera que o presidente da república dê seu pitaco em tudo, desde a crise financeira até o novo penteado do Evo Morales. Portanto, por via de regra, alguma coisa invariavelmente será dita, mesmo que o discurso acabe ficando com cara de “papo político só para constar”, mais conhecido nas casas do ramo como “recheio de lingüiça”. O repertório já é manjado: joga-se um charme, elogia-se bastante a autoridade, ressalta-se tudo de bom que ele tem feito pela humanidade, deixa-se de lado as divergências que certamente são ditas ou ao menos formuladas quando ele está a milhares de quilômetros de distância. Bajulações, promessas, tapinhas nas costas, sorrisos para os fotógrafos...

Ser diplomático, ser político, isso não deixa de ser necessário as vezes. Mas cabe o cuidado para que não se force a barra além do que a barra agüenta. Dos tempos da Grécia antiga, quando o filósofo grego Aristóteles produziu sua obra Política, até os dias de hoje, há de se convir que alguns conceitos acabaram mudando, ou melhor, se distorcendo e tomando novas vertentes. Valores e conceitos antigos sofreram verdadeiras mutações, que acabaram dando origem à politicagem, o filho feio da Política de Aristóteles

Esse papo de política e Grécia antiga está meio nebuloso? Então veja um exemplo: Em uma empresa fictícia, um gerente qualquer depara-se com uma tragédia: na sua sala, um vaso de samambaia muito mal posicionado está obstruindo a vista da janela panorâmica em frente à mesa. E não é só isso! A pobre plantinha está posicionada diretamente abaixo da saída do ar condicionado. Isso não pode ser bom para ela, vai que a coitadinha resseca ou adoece, com todos aqueles ácaros... Imediatamente, ele telefona para o chefe da manutenção e relata o ocorrido. O chefe da manutenção, que aliás, virou chefe depois de aprender as artimanhas da politicagem, solicita que dois de seus colaboradores (eufemismo para peão) parem imediatamente o que estejam fazendo para irem movimentar o vasinho de samambaia do gerentão. O encarregado, com sua equipe, suado e atordoado lá no chão de fábrica a 45ºC, tentando bravamente solucionar a pane de uma máquina no meio de outras tantas zunindo nos ouvidos, ao tomar conhecimento da natureza da nobre missão, prontamente responde à mensagem: “Mande aquele corno barrigudo levantar a bunda da cadeira e ajeitar ele mesmo a porcaria da planta. Não posso me dar ao luxo de interromper a manutenção deste equipamento, algo realmente importante para atender aos caprichos daquele velho mimado”. Diante de tamanha veemência, o chefe da manutenção repassa ao gerente o recado do encarregado: Caro senhor, no momento nossa equipe está totalmente empenhada no atendimento à uma emergência operacional na linha de produção. Tão logo possível, estaremos tomando todas as ações necessárias para a solução do seu problema.

Da mesma forma, agem aqueles que estão à frente de grandes empreendimentos, já que, normalmente, são os procurados para darem explicações por conta de alguma cagada operacional, mesmo que não tenham a menor idéia do porquê dela ter ocorrido. Nessas horas, nada melhor do que se limitar a dizer o que estão querendo ouvir. E o que se quer ouvir? Nada mais que as explicações de sempre, os curingas da arte da embromação, ou como são mais conhecidos em nosso meio, o discurso político.

Não vamos medir esforços... Não vamos tolerar...Vamos tomar todas as medidas... Vamos apurar as causas.... Vamos apurar responsabilidades... Vamos... Vamos... Vamos dar o fora daqui!

05 maio 2007

Rock nos tempos da fita cassete

Os não simpatizantes que me perdoem, mas hoje vou falar sobre Rock and Roll. Não exatamente uma ênfase histórica, ou alguma explanação sobre estilos e influências, até porque não tenho cacife suficiente para isso. Vou me deter ao assunto que domino, que é como iniciei nesse ramo, em uma época em que a internet não passava de protótipo e, consequentemente, todos que desejassem montar um acervo sonoro de respeito, precisavam necessariamente gastar muito dinheiro, ou suar muito camisa.

Muito mais que uma música tocando em meu CD player enquanto corto a grama ou arrumo o quarto, este brado retumbante que há pelo menos 15 anos ecoa nos meus tímpanos, acabou tornando-se um item de primeira necessidade, companheiro fiel nas horas de lazer ou descanso. Ou alguém duvida que se possa descansar com o Sepultura trovejando no seu ouvido? Dependendo do contexto, lhes digo que é um santo remédio (vide penúltimo parágrafo).

Lembro-me perfeitamente do dia em que aprendi a andar de bicicleta, mas não consigo lembrar como me contagiei com esse som. Tenho alguns flashes na memória do Robson moleque, gravando coletâneas e mais coletâneas de músicas em fitas cassete, lados A e B, limitados a 60 minutos por unidade. Eram horas a fio com o rádio ligado, de plantão sobre o botão REC, que era freneticamente acionado quando eu ouvia, em meio aos comentários do radialista, os primeiros riffs de uma guitarra que me agradasse. Outro recurso bastante explorado era a gravação indireta a partir da TV ou de outro toca-fitas, captando o som a partir de um microfone colocado no auto-falante do aparelho. Obviamente ficava uma porcaria, mas eu não era muito exigente naquela época. Diante desse cenário, meu sonho de consumo passava a ser um gravador de duplo deck, que permitiria copiar as fitas dos colegas sem sonoplastias anexadas ao fundo, tais como barulho de carro, cachorro latindo ou minha mãe me chamando para almoçar.

Naquele tempo eu era limitado não apenas no equipamento, mas também no repertório. Contava basicamente com uma coleção em vinil de Beatles, nossa herança de família, e algumas fitas de conjuntos nacionais copiadas de amigos, como Ultraje a Rigor ou Engenheiros do Hawaii, na época recém saídos do cenário de Porto Alegre, com a novíssima O Papa é Pop. Esse cassete, que pedi como presente de natal em algum momento do início da década de 90, foi meu primeiro álbum original, passando a ganhar um local de destaque junto com as fitas gravadas a partir das rádios.

Apesar das limitações impostas pela época, o interesse pela música era grande. Várias horas eram gastas na tarefa periódica de limpeza dos cabeçotes dos toca-fitas com cotonetes embebidos em álcool. Na falta do álcool eu usava o desodorante “Avanço” , aquele anunciado por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias no programa dos Trapalhões – “Avanço, você usa e a mulherada avança”. Alguém se lembra? Era também necessário, pelo menos uma vez por mês, avançar e rebobinar todas as fitas, colocando-as em movimento para que não mofassem. De uma forma ou de outra, o contato com a música era constante.

Os anos passaram e meus equipamentos sofreram um upgrade. Antes da era MP3, cheguei a montar um pequeno acervo, composto por CD´s de Rock e Heavy Metal, hoje praticamente transformados em artigo de coleção. Estão todos lá, com seus belos encartes, marca característica das bandas deste estilo musical. Esta é outra curiosidade. Ao invés da foto dos integrantes do grupo, as capas dos CD´s de Rock quase sempre mostram belos desenhos, alguns verdadeiras obras de arte. Por outro lado, em encartes de certos estilos, dificilmente vemos algo além da fuça do cantor, seu sorriso amarelo e sua pose de ator mexicano.

Hoje tenho coisas melhores que toca-fitas e cassetes embolorados. Os riff´s do Black Sabbath e os solos do Led Zeppelin ecoam mais felizes e saudáveis, importunando meus colegas de casa com o a imponência que lhes é devida. Só mesmo os amantes do bom e velho Rock and Roll para conhecerem o efeito alucinógeno de uma carga de decibéis no ouvido. Sua substância ativa é capaz de eliminar os efeitos nocivos da exposição contínua à “sonoridades com as quais não demonstro simpatia”, ocorrida em alguma festa de confraternização ou churrasco de domingo. Para este mal, só existe um remédio: chegar em casa e esmerilhar um AC/DC ou Iron Maiden, ótimos anti-depressivos de tarja branca.

Que o bom e velho Rock and Roll possa sempre se renovar, mas que não perca sua identidade. Que venha a gurizada com sangue novo e suas guitarras nervosas, mas que os velhos mestres não se calem em nossas vitrolas empoeiradas.

28 abril 2007

Bastidores de uma festa na Casa do Estudante

Organizar uma festa não é uma tarefa das mais simples. Semana passada promovemos uma, lá na CEUNI, Casa do Estudante Universitário. Cerca de 250 pessoas prestigiaram o evento, que tinha como objetivo principal, a arrecadação de dinheiro para viabilizar a manutenção estrutural da casa, otimizando sua conservação através de intervenções corretivas, com a contratação de profissionais liberais da construção civil. Trocando em miúdos: precisávamos de grana para contratar uns peões e tocar uma obra.

Para que tivéssemos uma festa à altura das anteriores, que adquiriram certa notoriedade com os estudantes da Unisinos, eu e os outros 13 moradores(as) tratamos de nos organizar. Dividimos as tarefas e as responsabilidades entre todos. Peguei, junto com outro colega, a nobre função de providenciar a cerveja e toda a logística relacionada.

Antes de efetivarmos as compras, saímos à caça de ofertas especiais nos mercado da região. No dia escolhido fomos lá, debulhamos prateleiras inteiras cheias de latinhas de cerveja e atulhamos tudo em uma kombi, para que nos fosse entregue mais tarde. Lá pelas onze da noite, quando quase todos estavam em casa, eis que ouvimos uma buzina. Era o kombão que chegava com as bebidas. Fizemos uma corrente humana, do veículo estacionado na rua até dentro de casa, e assim descarregamos mais de mil latas de cerveja, em uma cena no mínimo curiosa para os passantes.

Pois bem, a cerveja estava garantida, mas ainda faltava providenciar uma maneira de gelar aquilo tudo. Enquanto isso, as outras equipes planejavam e executavam detalhes da decoração e da divulgação. E o dia ia se aproximando... daí para frente foi só correria, não teve jeito. Vejam uma pequena amostra de como foi:

Ih, as bebidas! ainda não providenciamos os recipientes para acomodá-las! Freezer nem pensar, não conseguimos ninguém que nos alugue um. O jeito é usar esses três tonéis de plástico que temos aqui, abarrotamos eles de latinhas e de gelo... O gelo! Esqueci do gelo! Tem um pessoal aqui perto que entrega à domicílio, são 5 reais o saco com 10 kg. Caramba, vamos precisar de bastante, uns 25 sacos, vai sair caro isso... vou batalhar um desconto. Pelos meus cálculos... Nossa! É muita cerveja, vai faltar espaço, precisamos de mais tonéis. Acabamos conseguindo emprestada uma geladeira, caco velho, sem motor. Damos um jeito, colocamos ela deitada e enchemos de gelo, está feita uma caixa térmica, vão caber ali pelo menos umas 300 latinhas, agora parece que vai ser suficiente.

Chegou o dia. São 19 horas, já estou na sala de aula, vou ter prova. Acabei não estudando o suficiente, espero não levar bomba. O celular toca: CEUNI chamando. Alô? Do outro lado meu colega dispara: “Cara, acabou o gelo, vamos precisar de mais, ainda tem muita lata para acomodar”. Putz, mais quanto? “ Ih... mais uns 7 sacos, não tem jeito". Ok, chama lá, anota aí o telefone. Faço a prova, a princípio tudo certo. Desço a avenida e chego em casa. A festa já está começando. Chamamos uma moça para vender cachorro quente no pátio da casa e pedimos a ela que não venda bebidas, já que estamos cuidando disso. Ei! O que foi aquilo? Será que ela está vendendo cerveja? Enviamos um “agente à paisana” para tentar comprar a bebida ilegalmente. Alarme falso, o pessoal está atacando o hot-dog e só.

Lá pelas tantas chega um grupo de umas 40 pessoas vindo de outra festa, querem entrar. Ótimo, sejam bem vindos, são quatro reais por favor. Começam a choramingar, acham caro, querem entrar de graça, me chamam na portaria, sou obrigado a ouvir discurso enlatado sobre as mazelas da civilização judaico-cristã-ocidental. Somos taxados de burgueses e exploradores dos fracos e oprimidos. Explico que somos tão oprimidos quanto eles. A maioria acaba entrando. Meia dúzia deles fazem birra, ocupam e desapropriam nossa calçada improdutiva e ali permanecem sentados por muito tempo. A festa segue. Lá dentro o pessoal está aproveitando bastante. Um mentecapto erra o banheiro e vai mijar na porta do quarto do meu colega. Fico indignado, mas ainda consigo dar risada. Se fosse o meu quarto provavelmente não teria achado muita graça. Falando em banheiro, vou dar uma checada, felizmente ainda estão utilizáveis, menos mau. Dessa vez não falta cerveja... que alívio. Nem queiram saber a correria que foi ano passado, quando a bebida acabou quatro vezes e, para aplacar a sede dos festeiros, minamos os estoques de todas as tele-entregas da região. Lá pelas tantas a poeira começa a baixar. Vou dormir, me sinto um zumbi . Ao meio-dia iniciamos o faxinão. Nada quebrado, mas o cenário é de guerra. Limpamos tudo e a casa volta a ter aspecto de casa. Tarefa cumprida!

E foi mais ou menos isso. Outra vez, excelente festa...
Atualização: aos finais de semana
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