19 janeiro 2008

“Fróide” explica


Animais selvagens batendo cabeças em disputa por território e motoristas cantando os pneus de seus carros em disputa por atenção. Alguma diferença?

A RBS TV lançou, no final do ano passado, uma campanha de conscientização contra acidentes nas estradas, intitulada “Violência no trânsito: isso tem que ter fim!”, onde propagandas educativas foram endereçadas principalmente aos jovens motoristas, comprovadamente os maiores causadores de acidentes. Na fase atual da campanha, três atrizes aparecem condenando categoricamente todas aquelas atitudes agressivas, típicas de jovens ao volante. Veja as falas de duas delas:

“O tipo de homem que eu não gosto é aquele que entra no carro e sai correndo feito um desvairado, se achando o cara, o bacana, o garanhão. Sabe o que eu fico pensando? Se ele é rapidinho assim no trânsito, deve ser rapidinho em tudo...”.

“O tipo de homem que não tem chance comigo é o homem grude. Sabe aqueles que andam grudados na traseira dos outros? Eu jamais sairia com um cara desses. Pensa bem, se ele faz isso no trânsito, deve fazer também na fila do cinema, na sala de embarque do aeroporto, no vestiário do clube, hum? Vai saber...”

Em passeios noturnos, próximos a bares e outros points urbanos, percebe-se facilmente como essas atitudes agressivas ainda fazem sucesso com o sexo oposto. Salvo exceções, continua-se achando aquilo tudo muito lindo, muito másculo. No entanto, graças a esses depoimentos na TV, a moral dos garanhões da távola motorizada tem escorrido ralo abaixo. Pelo menos assim esperamos.

E por que só os homens se comportam desta forma? Por que somos uns idiotas? É, provavelmente isso também. Mas creio que a principal razão esteja no sangue, literalmente, já que a combinação testosterona e volante tende a ser bastante perigosa. Se, além disso, houver nas redondezas certos representantes da fauna urbana – leia-se gatinhas, potrancas e cachorras, aí sim a mistura possui grande chance de se tornar letal. Por razões nada desconhecida, a rapaziada adora usar suas gaiolinhas de lata como chamariz para as fêmeas, igualzinho ao que ocorre nas demais espécies do reino animal. Já viram um pavão exibindo orgulhosamente suas penas coloridas para impressionar a companheira? Pois é.

Um dos motivos que me fazem crer no sucesso da campanha na TV, é o golpe certeiro que ela desfere nesses bobos da corte, atingindo em cheio seu ponto mais sensível: o ego machão. Quando belas mulheres passam a fazer chacota sobre essa necessidade ridícula de exibição constante de virilidade, a mensagem tem muito mais chance de ser assimilada do que outras tantas que fizeram uso de frases bonitinhas ou imagens chocantes. A triste realidade, minhas caras colegas, é que para muito homem por aí, ter a masculinidade questionada é muito mais ofensivo do que qualquer outra coisa. Fale mal da mãe dele, mas não fale mal do seu pinto.

Será que essa campanha vai realmente alcançar resultados mais significativos que suas antecessoras? Suspeito que sim e, se acontecer mesmo, será um tanto quanto curioso, para não dizer cômico. O ser humano é ou não é a criatura mais fascinante de todas? Não foi à toa que Sigmund Freud fez sua fama.

12 janeiro 2008

Monólogos no trem

É sexta feira, cerca de 17h30min. Estou no trem, retornando para casa após o trabalho. Vagão cheio, temperatura na casa dos 35 graus. Estou de pé, com uma mão me apoio e com a outra equilibro um encorpado volume de um guia de viagens da América do Sul. Entretido pelas suas páginas e com a cabeça a uns 5000 km dali, mal percebo o que se passa ao meu redor.

Bem ao meu lado, uma senhora de uns cinqüenta ou sessenta anos começa a me observar atenciosamente. Acabo percebendo e, com um olho no livro e o outro nela, chego à conclusão que o livro é mais negócio. Retorno às suas páginas.

Lá pelas tantas, a velha senhora não se contém e resolve puxar conversa:

- O que é isso que você está lendo? É a bíblia?
- Hein?
- Isso aí... é uma bíblia?

Seria um engano compreensível, julgando-se pelo volume das oitocentas e tantas páginas do meu livro. Poderia até existir certa semelhança, se pelo menos a capa não exibisse uma foto em close de uma indiazinha Inca, com os dizeres “América do Sul - guia do viajante independente” em letras garrafais.

- Não, não é uma bíblia, respondo em tom sereno.
- Ahh. É um livro de estórias então? É um romance?

Percebo que ela não desistiria assim tão facilmente e muito menos se daria por satisfeita com um outro “não”. Resolvo então incrementar um pouco minha fala:

- Não, também não é um romance. É um guia de viagens.
- Ahhhhh... um guia de viagens, hummmmm...

Inocentemente, passo a acreditar que essa minha explicação detalhada e minuciosa a deixaria satisfeita. Porém, como podem perceber, acabo não sendo feliz:

- Você vai viajar então?
- ...
- É, pois é.. Vou sim.

Concluo que ela está mesmo a fim de papo e, por mais que eu tente fazer cara de concentrado em minha leitura, ela não faz cerimônia em me interromper a cada quinze segundos com suas colocações pertinentes. Acabo não tendo outra escolha senão fechar o livro, deixá-lo debaixo do braço e dar um pouquinho de atenção para a velha. Pacientemente, vou tentando matar sua curiosidade quase imortal, ouvindo suas histórias e sendo gentil na medida do possível. É o mínimo que eu posso fazer e, ao mesmo tempo, é o máximo a que eu me disponho a fazer.

Lá pelas tantas, como se falar sobre sua vida já não rendesse assunto suficiente, eis que a atenciosa senhora encontra uma brecha e desata a tagarelar sobre seus parentes, amigos, conhecidos, a turma do bingo, as senhoras do clube do tricô e, é claro, do Nestor, seu bondoso (e falecido) marido. Recordando agora, não consigo lembrar ao certo como ela conseguiu encaixar tantos assuntos, discorrendo sobre metade dos componentes de sua árvore genealógica. Bem, só pode ter sido quando deixei escapar que eu estava lendo aquele guia por causa de uma viagem de moto que faria. Isso foi mais que suficiente para ela me contar sobre seu sobrinho, o Marquinho, menino teimoso e difícil que não ouviu suas advertências sobre pilotar alcoolizado uma CG 125. E olha que não foi só ela que alertou o Marquinho. O peralta não ouviu nem ela, nem a Cleusa e muito menos a Clotilde. Continuou aprontando por aí até se estatelar contra uma árvore e perder uma perna. Pobre plantinha...

A viagem segue. Raios, porque tenho que morar tão longe? Meia hora depois, muito menos paciente e muito mais informado do que antes, anuncio, com uma profunda dor no coração, que eu desceria na próxima estação. E eis que ela prontamente puxa da sua bolsa um cupom fiscal de supermercado e em seu verso desata a escrever.

- Pega, ela diz me estendendo a tira de papel.
- Aí está meu endereço. Quando retornar de sua viagem me mande as fotos para eu ver os lugares por onde você passou.
- Sim, claro
. Respondo com um sorriso amarelo na cara e coloco o papel no bolso das calças. As portas do trem se abrem e eu ganho a plataforma da estação. Com o trem novamente em movimento olho para trás, ainda a tempo de vê-la acenando. Retribuo a gentileza e vou embora.

Quanto ao papel com o endereço, este ia sobrevivendo, até o dia em que esqueci de tirá-lo do bolso para lavar as calças. Menos mal. Ao menos assim não precisei ficar com peso na consciência caso decidisse ignorar categoricamente o pedido da minha “colega de viagem”. Afinal, era o que eu certamente acabaria fazendo.

05 janeiro 2008

Cumprindo tabela no reveillon


“Adeus ano velho, feliz ano novo”. Novamente nos despedimos do ano velho, já com aspecto roto, gasto, bem diferente de quando ele iniciou: novinho, todo limpinho e com cheiro de talquinho de nenê.

O início de cada ano é um marco de mudanças para aqueles que se propõe a encarar novos desafios, e também um ponto de referência, que nos ajuda a lembrar que devemos esquecer as desilusões e direcionar nosso pensamento para o futuro, ou, melhor ainda, para o presente. É o momento de fazermos novos planos e colocarmos em prática os antigos. Após as doze badaladas, dívidas são perdoadas, intrigas são eliminadas e dietas são iniciadas.

No entanto, se você é daqueles que não vêem a coisa dessa forma e encaram a virada como um dia depois do outro, não se acanhe. Eis uma receita simples para deixar o início do ano marcado na sua memória, sem riscos desse dia acabar passando em branco.

Para começar, compareça à festa em alguma praia ou avenida lotada. Vá munido de uma garrafa de champanhe barato, a ser generosamente borrifado na cabeça de todos à sua volta. Não aja de maneira inconseqüente, mas seja criterioso na escolha de suas vítimas: priorize as pessoas de banho tomado e de roupinha branca, não tem como errar. Dê também preferência às moças com cabelo alisado às custas daquele engenhoca conhecida como “chapinha”. Leve consigo pelo menos duas caixas de rojões barulhentos - os mesmos que você usou para comemorar o rebaixamento do time adversário, e exploda tudo a poucos metros dos seus vizinhos. Após o espetáculo dos fogos de artifício, corra para junto do palco montado na praia e assista ao pagodão patrocinado pela prefeitura. Depois do show, caso a tarefa de voltar para casa lhe pareça excessivamente árdua e irrelevante, acomode-se na areia e se entregue a Morpheus, até ser acordado na manhã seguinte, com sua cabeça sendo massageada pela vassoura de um gari.

Para os mais ortodoxos ou os menos corajosos, existe ainda a opção de iniciar o ano no aconchego do próprio lar. Neste caso, é muito importante não sucumbir à televisão, evitando assim sua exposição às ondas sonoras e eletromagnéticas nocivas à saúde, emitidas pela programação de fim de ano e propagadas por Faustão, Roberto Carlos, Xuxa e Renato Aragão. Longe das drogas e de cara limpa, aproveite o ar fresco da noite, vá à varanda e assista ao espetáculo quase particular de pirotecnia que seu vizinho fez o favor de lhe proporcionar, sem ônus algum.

Seja lá qual tenha sido a sua programação, mantenha o pensamento positivo e acolha 2008 com todo o otimismo que ele merece. Talvez ainda não seja este o ano em que você vai perder os quilinhos a mais ou que sua vida vá dar um grande salto. Você provavelmente não irá ganhar na loteria e nem mesmo nenhuma daquelas ladainhas anunciadas no seu horóscopo irá se realizar. No entanto, você esta aí, com saúde, tem comida na sua geladeira e você é perfeitamente capaz de ler este texto. Grandes coisa? Você é que pensa! Há muito ao seu alcance, possivelmente mais do que imagina. Estenda a mão e escolha os bons livros da prateleira. Providencie uma bússola e escolha corretamente seus caminhos. Tire proveito do fato de não haver ninguém chicoteando seu lombo e te impedindo de buscar estas coisas. E a partir daí, faça você mesmo o seu “feliz ano novo”.

E que todos nós o façamos.
Atualização: aos finais de semana
powered by eu mesmo ®