A partir do momento em que ele nos dizia “até logo” e eu lhe prometia algum dia bater à porta na sua nova casa na Espanha, começavam a formar-se na minha cabeça algumas idéias sobre a natureza da relação de nós mesmos com o nosso trabalho, e até que ponto o vínculo que mantemos com as nossas atividades deve se sobrepor à realização de projetos pessoais. Em outras palavras, será que o dinheiro ganho com o nosso trabalho está desempenhando o seu real papel, que é meramente o de constituir um meio através do qual alcançamos nossa realização pessoal?
Se questionarmos qual a necessidade de um bom salário a alguém que ganha muito, essa pessoa provavelmente dirá que o objetivo do dinheiro é proporcionar para si e sua família uma vida digna. Com dinheiro banca-se um alto padrão de vida. Compra-se conforto, saúde, lazer e segurança. Mas será que isso representa o mesmo que uma alta qualidade de vida?
Tomando um exemplo hipotético, do Dr Euclides e do Toninho, veremos que apesar da diferença de muitas centenas de reais no salário, grosso modo ambos conquistam as mesmas coisas, apenas um percorre um caminho mais longo que o outro para tal. Dr Euclides, por exemplo, paga mensalmente uma grande soma para uma firma de segurança evitar que marginais arrombem a sua casa. Na casa do Toninho, os únicos que entram sem serem convidados são as galinhas, que sua esposa enxota à vassouradas. Dr Euclides entrega outra soma considerável a uma academia para mantê-lo razoavelmente apresentável, enquanto o Toninho, apesar de adorar uma macarronada bem servida, nunca teve problemas com a balança, já que a lida no campo se encarrega de dar destino às suas calorias. Se o Dr Euclides gasta fortunas com médicos devido a problemas respiratórios crônicos agravados pela poluição, o Toninho se limita a comprar Mertiolate, esparadrapos e um tubo de Gelol quando algum cavalo xucro eventualmente o derruba no chão. Os cavalos são do Dr Euclides, que sempre que pode, compra uma passagem de avião e vai passar alguns dias revigorantes na sua fazenda, onde o Toninho trabalha como caseiro.
Não há como negar que, para o bom gastador, dinheiro pode ser muito benéfico. Se ambos Dr Euclides e Toninho são espertos o suficiente, logo se dão conta que não há nenhum mal na aquisição de bens supérfluos, desde que estes não acabem retendo para si mais importância do que realmente merecem. Afinal, é justamente com esse objetivo que trabalhamos pelo dinheiro, pois apesar dele acabar sendo essencial, não deixa de ser um mero instrumento para alcançarmos nossos objetivos finais. O crescimento como pessoa, o acúmulo de vivências, conhecimento e realizações, ao contrário do dinheiro, nenhum assaltante é capaz de tirar de você.
"Quando a última árvore tiver caído,quando o último rio tiver secado,quando o último peixe for pescado,vocês vão entender que dinheiro não se come."