23 setembro 2007

E que venha a Burocracia!

Ai de nós, moradores de casas de estudantes, engajados com a conservação da sua estrutura física, tentando salvá-la das ameaças constantes das paredes mofadas, das fossas entupidas e das telhas rachadas. Ai de nós, estudantes a quem foi designado o trabalho hercúleo de reunir a documentação que viabilizará, quem sabe, um repasse de recursos financeiros, capaz de livrar nossa casa dos males citados. Para tanto, somos conduzidos através dos corredores frios e escuros das partições públicas, verdadeiras masmorras onde somos aprisionados por horas a fio, em busca de valiosas folhas de papel timbradas, carimbadas e assinadas.

Depois de superado o sufoco e concluído o garimpo, chega a ser cômico apreciar a montanha de papéis que é preciso juntar para provarmos que estamos habilitados a receber o tal benefício. Certidão disso, comprovante daquilo, declarações e atestados aos quilos. Para solicitar um documento é preciso emitir outros cinco. Para validar esses cinco, outros quinze devem ser autenticados em cartório, criando assim uma bola de neve, que esperamos, não venha a rolar por sobre nossas cabeças.

É mais um capítulo da odisséia brasileira da inversão de regras e valores. Hoje, acompanhamos as aventuras de 16 estudantes universitários, que assim como o resto dos brasileiros, já nasceram estelionatários e precisam despender muito tempo até conseguirem provar o contrário. Para isso, partem em busca da pilha de papéis mágicos, o único artefato que tem o poder de convencer os órgãos públicos que estes estudantes pretendem dar o correto fim ao dinheiro recebido.

Provar que somos idôneos não é tarefa das mais fáceis. Se pelo menos fôssemos políticos influentes ou mega empresários, a coisa mudaria de figura. Neste caso, seríamos automaticamente transformados em pobres vítimas de acusadores inescrupulosos, que surgiriam a todo o momento tentando nos derrubar.

A tão mal falada burocracia, ou “burrocracia”, como alguns preferem chamá-la, apesar de sua incrível habilidade de trancar processos, atrasar obras, ou até mesmo impedir procedimentos que salvam vidas, segue ditando o ritmo de crescimento do país. É uma pena que, diante da ganância natural do bicho homem, surja a necessidade de se criar cada vez mais artifícios na tentativa de conter a corrupção. Com tantas barreiras, esperava-se que fosse impossível, ou pelo menos muito difícil praticá-la. Lamentavelmente, a única dificuldade imposta pela papelada parece ser mesmo a quantidade de tinta requerida para impressão dos documentos frios. Talvez, um sistema mais enxuto, e consequentemente, mais inteligente, pudesse se tornar também um pouco mais eficiente.

Enquanto isso não acontece, seguimos desbravando valentemente essa floresta de papel. A menos que você seja um marciano ou um indigente, terá que se embrenhar pelo mesmo caminho em algum ponto da sua vida. Quem nunca teve a honra de praguejar contra este patrimônio da administração pública, que se apresente: pegue uma senha no balcão, preencha três guias de cadastro, autentique sete cópias com reconhecimento de firma em cartório, pague as taxas devidas e por gentileza, tenha a bondade de liberar o balcão.

O próximo!




16 setembro 2007

O lado “Renan Calheiros” de todos nós

Diante de todo esse bafão gerado pela absolvição do atual presidente do Senado Federal, os jornais, as revistas e a internet ficam repletos de reportagens e comentários de gente indignada por conta da mais recente e indigesta pizza servida no planalto central. O repúdio comeu solto e a esmagadora maioria não poupou ofensas pessoais aos excelentíssimos caras de pau responsáveis pela absolvição de alguém que, ao que tudo indica, andava fazendo bastante caca por aí. Os mais exaltados expressavam, de forma não muito polida, sentimentos que iam da vergonha ao nojo.

Atos como estes são perfeitamente compreensíveis. Nosso primeiro impulso, diante do sorriso de deboche do acusado, é xingar os senadores até a quinta geração, sem esquecer, é claro, do nosso líder maior, nosso guru da administração, nosso presidente, o homem com a visão além do alcance, que sempre vê o que ninguém mais consegue enxergar, e que insiste em tratar as crises do seu governo como se fossem o filho malcriado do vizinho.

Já faz muito tempo que os brasileiros queixam-se de seus representantes. Tenho portanto minhas dúvidas, sobre até que ponto isso basta para que algo efetivamente mude de rumo nessa política adoentada.

Há um dito popular que afirma: “Se você quer realmente conhecer uma pessoa, dê poder a ela”. Pensando assim, há de se questionar se todos os que hoje protestam, seriam totalmente incapazes de se corromperem, caso lhes fosse apresentada uma oportunidade. Será que estamos com tanta moral assim? Olhemos à nossa volta. Diariamente, incontáveis desvios de conduta são praticados. Joga-se lixo no chão, furam-se filas, falsificam-se carteiras estudantis para pagamento de meia-entrada, só para citar alguns exemplos. Centenas de Malufes, Renanzes, e Dirceus em fase de incubação circulam impunes por aí.

Nos ditos países civilizados, costumamos invejar a educação da população. Aqui no Brasil, ridicularizamos quem gosta de andar na linha. Pejorativamente conhecidos como “certinhos” ou “quadrados”, as pessoas que seguem as regras do jogo são normalmente vistas como chatas, previsíveis e desinteressantes, incapazes de usufruir o que a vida tem de melhor.

Talvez, a receita para uma política mais ética, inclua menos ingredientes que imaginamos. Dois, pelo menos, não podem faltar. Precisamos de um espelho que nos faça olhar um pouco mais para as nossas próprias atitudes. Precisamos também de uma pitada de coerência, para que não corramos o risco de acabarmos fazendo exatamente aquilo que um dia condenamos (o Lula que o diga).

Quanto aos quarenta senadores que inocentaram Renan Calheiros... Sou capaz de apostar que, em outros tempos, estavam todos aqui, exatamente onde estamos hoje, protestando contra alguma politicagem indigesta.

E segue o baile!

03 setembro 2007

Teatrinho de advogados

Uma excelente opção de lazer tem sido o julgamento dos acusados de envolvimento com o esquema do mensalão. Atualmente em cartaz e estrelando os mais bem pagos advogados brasileiros, esta peça é garantia de divertimento e de boas gargalhadas para toda a família.

A casa de espetáculos do Supremo Tribunal Federal, em mais uma de suas grandiosas apresentações, abriu recentemente espaço para a peça humorística “Meu cliente é um santo”, estrelada pelos advogados de 40 acusados de corrupção, indiciados durante as apurações do esquema do mensalão. Como todo mundo sabe, durante meses a fio, denúncias se multiplicaram, evidências saltaram aos olhos às dezenas e provas inquestionáveis abarrotaram os armários dos relatores das CPI´s instauradas. Apesar disso, em um atentado ao senso do ridículo, os advogados desses senhores alegaram, um a um e com a maior cara de pau, a inocência de seus clientes, classificando as denúncias como "ineptas", "imprestáveis", "ridículas", "omissas" e "desprovidas de base fática". Como eles falam bonito!

Qual será a origem desses artistas? Se retrocedermos no tempo, encontraremos um deles, na ocasião, apenas um estudante de teatro, desistindo do curso de artes cênicas e ingressando na faculdade de Direito. Depois de algum tempo, gradua-se e passa na prova da OAB. O talentoso ator torna-se então um advogado. Aluga uma sala em um prédio comercial no centro da cidade, intitula-se “doutor” e manda pintar uma plaqueta com seu nome para ser pregada na porta do escritório. É o orgulho da família e a salvação dos rapazes elegantes de mão ligeira.

Os anos passam e nosso personagem passa a ser renomado. Causas milionárias surgem a todo o momento, e ele passa a ser contratado frequentemente para atuar na defesa de políticos corruptos (os rapazes elegantes de mão ligeira). Ao examinar um caso desses, em que o réu se diz inocente, geralmente lhe restam três alternativas: 1- Desistir imediatamente do caso, deixando o pepino para o Tom Cruise resolver, afinal missão impossível é com ele mesmo. 2- Não buscar a absolvição do réu, mas tentar amenizar ao máximo a pena que certamente será imposta, descolando algum atenuante. 3- Fazer papel de palhaço diante de 180 milhões de pessoas ao afirmar com todas as letras que o réu é inocente, que todos os flagrantes, os grampos telefônicos e as irregularidades são mero produto da nossa imaginação.

Curioso é ver como eles acreditam que, por mais esdrúxulas que sejam suas histórias, sempre irão conseguir convencer as pessoas, bastando apenas que o texto seja declamado em tom de profecia do apocalipse, em uma postura teatral e com enredo de novela mexicana. Isso chega a ser um insulto, uma afronta à inteligência alheia! Se eu fosse advogado, sentiria vergonha ao testemunhar alguém esculhambando e expondo ao ridículo minha classe profissional dessa forma. Será que os colegas da Ordem não se sentem mal com isso?

Alguns julgamentos, devido a carga excessiva de fábulas, acabam tomando a forma de um festival de anedotas. Além dos tribunais, estas também podem ocorrer em outros recintos, tais como pescarias ou mesas de bar. Em algumas cidades, inclusive, organizam-se verdadeiros campeonatos deste tipo, onde os competidores sobem em um palco, contam uma história cabeluda recheada de “fatos” insólitos e ficam aguardando ansiosamente a nota do juiz da competição. Notaram alguma semelhança?

Pela nossa lei, qualquer um tem direito a um advogado, até mesmo um serial killer. Mas qual o papel do advogado de um serial killer? Seria por acaso mostrar ao júri que o estripador está profundamente arrependido de seus crimes e por isso pedir sua absolvição? Afirmar que ele está tentando se reintegrar à sociedade, tendo inclusive sido contratado como recreador infantil em uma creche da vizinhança? Além de patético, forçar a barra desta maneira não parece ser nada ético. Muito mais sensato foi o advogado de brasileiros flagrados recentemente em situação ilegal nos Estados Unidos. Este advogado, ao invés de tentar provar que os clientes foram capturados por marcianos e tele-transportados involuntariamente da Bahia para Las Vegas, simplesmente tratou de tomar todas as ações cabíveis para que a burocracia inerente à deportação fosse superada da forma mais rápida e menos desgastante possível.

Por ouro lado, fico realmente impressionado com a veia artística dos nossos advogados. Penso até em contratar um dos bons. Acontece que ando comendo muita pizza ultimamente. Se eu virar um gordão, tratarei de processar aquela pizzaria vilipendiosa, inepta e imprestável, por produzir pizzas tão deliciosas.
Atualização: aos finais de semana
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