29 julho 2007

Um caos nem tão aéreo assim

Nestes tempos pós acidente aéreo, tornou-se muito chato assistir televisão. Todos os noticiários exploram exaustivamente a notícia do Tam 3054. Cada gota de informação, mesmo que de pertinência duvidosa, vem sendo cuidadosamente extraída e exposta na mídia. Como consequência, o tema tem sido batido, moído, torcido... É curioso ver a maneira como a imprensa cai em cima de assuntos dramáticos feito moscas no lixo, assuntos que antes de virem à tona, ninguém dava a mínima. Longe de questionar a seriedade dos fatos, a verdade é que se exagera bastante na cobertura em alguns pontos, como fez uma emissora de TV ao dedicar bons quarenta minutos de transmissão ao vivo à aguinha da chuva que escorria pela quina da pista de pouso danificada em Congonhas.

É um tanto irritante ver o gosto dos caras pelo sensacionalismo, como se tivessem prazer em ver a coisa cada vez mais cagada, só para poderem conclamar com ares de pesar que tudo está escandalosamente errado. Para poderem sustentar as malhações diárias com assuntos sempre fresquinhos, garimpam e escancaram montes de picuinhas que nunca teriam a menor importância, ou que pelo menos não mereceriam constar nas manchetes dos noticiários. Bom para nós, seria poder dizer que é tudo exagero mesmo, puro sensacionalismo barato, mas infelizmente, dependendo do contexto, acaba-se constatando que o sensacional, afinal, não passa muito longe do real.

Por causa desse sensacionalismo e, por que não dizer também, dessa realidade, já enchi o saco do termo “caos aéreo”. Já cansei dos repórteres mostrando exaustivamente, dia após dia, as gananciosas companhias aéreas que fazem overbooking e compensam o transtorno com barrinhas de cereal. Já igualmente maçantes são as cenas de passageiros puxando um ronco atirados num canto, enquanto outros armam o já tradicional barraco no check-in. Câmeras percorrem o saguão e flagram um viajante reclamando que está há sete dias dormindo no aeroporto de São Paulo sem conseguir embarcar para o Rio de Janeiro, sem pensar que talvez, se tivesse tido a brilhante idéia de tomar um ônibus, quem sabe levaria menos de uma semana para cobrir os 430 quilômetros que separam as duas cidades. E o que dizer do cachorrinho que resolveu fazer cocô na pista ou do funcionário da Tam, flagrado tirando meleca do nariz? É luz, câmera, ação!

Sabemos muito bem que o comodismo e o conformismo são os últimos sentimentos que deveriam figurar em uma população representada por um governo apinhado de líderes inconseqüentes, e nesse ponto, o jornalismo brasileiro age certo em cutucar o dodói de certas autoridades. Que esse interesse seja estimulado pelo ideal de se alcançar uma mudança, e não apenas pelos pontos a mais de audiência que uma boa confusão costuma trazer.

Existem não conformidades no setor aéreo? Sim, não restam dúvidas. Os problemas, os culpados e as soluções, são temas por demais complexos, sendo necessárias várias páginas para sequer introduzir o assunto, já que quanto mais se mexe, mais a coisa fede. Aliás, tem sido assim com quase tudo ultimamente. Vamos deixar a resolução dos problemas para aqueles que ganham para isso. Quanto a nós, tentemos dar algum crédito aos nossos representantes, já que fomos nós mesmos que os colocamos lá. E afinal, de que forma cada um de nós, pobres mortais, pode contribuir para pôr um fim aos problemas do setor aéreo? Que tal, antes das próximas eleições, dedicarmos alguns minutos à pesquisa completa sobre os antecedentes de nossos candidatos? Já ajudaria bastante.

07 julho 2007

Hoje, a palmada? Ou amanhã, uma coronhada?

Me deu até peninha, quando vi os pobres rapazinhos tentando inutilmente esconder a cara diante das câmeras, quando foram detidos na delegacia. Coitadinhas dessas crianças, tão repreendidas, só porque resolveram brincar de “surra na doméstica”. É uma brincadeira muito comum e tradicional, especialmente na zona sul do Rio e demais redutos de filhinhos de papai e outros marginaizinhos de vida fácil.

O mesmo tipo de lazer eu vi na televisão, em uma cena de arquivo da emissora, onde um piá de 14 anos, com uma espingarda de pressão, deus uns tiros por aí, mirando e acertando pessoa na rua. A mãe do moleque sacana, com jeito de perua acomodada, apresentou a seguinte declaração: “Se formos analisar bem, veremos que ele não estava atirando. Estava, na verdade, apenas brincando”. Brilhante minha senhora! Sabe que eu nunca tinha parado para analisar a questão sob este ponto de vista? Gostei tanto do argumento que vou, até o penúltimo parágrafo, seguir a mesma linha de raciocínio desta madame, verdadeiro ícone da inteligência suburbana.

Para começar, traficantes cariocas são os jovens mais brincalhões dos quais tenho notícia, esses sim sabem se divertir. Diariamente brincam de guerrinha com seus amiguinhos, os policiais do BOPE que vão até suas casas a bordo do caveirão, aquele carro blindado, bem grandão, todo preto, super legal, que ganharam de natal. É o brinquedo com o qual todo menino pobre do morro sonha, é por isso que ficam tão radiantes e soltam aquelas salvas de tiros de AK-47 em saudação aos colegas que chegam para brincar com eles. Ali ficam durante a tarde toda, só parando quando suas mães os chamam na hora da janta.

Educar, a solução é educar nossas crianças, certo? Mas quem os adultos pensam que são para dizer “não” a uma criança? Que barbaridade, todo mundo sabe que os pais não podem fazer isso, sob o risco de traumatizarem os pobrezinhos. Se seu filho de três anos, por exemplo, atear fogo na sala de estar, não brigue com ele. Sentem-se e tenham uma conversa franca, de homem para homem. Evidentemente, a criatura já tem maturidade suficiente para apresentar argumentos muito bem embasados que podem facilmente justificar seus atos e convencê-lo de que ele estava apenas exercendo seus direitos de pirralho arteiro e mimado, não havendo, pois, motivos para represálias. Você pensou até mesmo em aplicar palmadas corretivas em sua região glútea? Seu animal, grosso e insensível! Não vê que estará criando um monstro dentro de casa? Um delinqüente juvenil crescendo revoltado com tudo e com todos, que vai acabar saindo por aí, também dando palmadas em pessoas nos pontos de ônibus, como uma maneira de extravasar sua fúria interior, reprimida durante anos de educação bárbara e medieval?

Portanto, os policiais malvados que algemaram os meninos na delegacia, deveriam, quem sabe, ter levado as informações acima em conta. Não se faz isso com rapazinhos de família boa, que fazem faculdade e tudo, que só estavam brincando e que nunca imaginaram que uns meros sopapos na cara daquela dona, que estava ali parada esperando seu ônibus, iria deixar as pessoas tão zangadas. Que gente mais escandalosa!

É através de uma correta orientação que uma criança aprende a ser criança, e por conseqüência, transforma-se em um cidadão de bem. Por outro lado, são os filhos de pais acomodados, ausentes e descomprometidos com sua educação que, cada vez mais, povoam festas e boates. Crescem tornando-se apreciadores das “brincadeiras” praticadas semana passada no Rio. As vítimas, por sua vez, aprendem a esperarem sentadas até que os ditos meninos de boa família recebam e cumpram o devido castigo, sem que um pai advogado ou um tio juiz apareçam como vermes aproveitadores, nos furos nas nossas leis corroídas.
Atualização: aos finais de semana
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