28 abril 2007

Bastidores de uma festa na Casa do Estudante

Organizar uma festa não é uma tarefa das mais simples. Semana passada promovemos uma, lá na CEUNI, Casa do Estudante Universitário. Cerca de 250 pessoas prestigiaram o evento, que tinha como objetivo principal, a arrecadação de dinheiro para viabilizar a manutenção estrutural da casa, otimizando sua conservação através de intervenções corretivas, com a contratação de profissionais liberais da construção civil. Trocando em miúdos: precisávamos de grana para contratar uns peões e tocar uma obra.

Para que tivéssemos uma festa à altura das anteriores, que adquiriram certa notoriedade com os estudantes da Unisinos, eu e os outros 13 moradores(as) tratamos de nos organizar. Dividimos as tarefas e as responsabilidades entre todos. Peguei, junto com outro colega, a nobre função de providenciar a cerveja e toda a logística relacionada.

Antes de efetivarmos as compras, saímos à caça de ofertas especiais nos mercado da região. No dia escolhido fomos lá, debulhamos prateleiras inteiras cheias de latinhas de cerveja e atulhamos tudo em uma kombi, para que nos fosse entregue mais tarde. Lá pelas onze da noite, quando quase todos estavam em casa, eis que ouvimos uma buzina. Era o kombão que chegava com as bebidas. Fizemos uma corrente humana, do veículo estacionado na rua até dentro de casa, e assim descarregamos mais de mil latas de cerveja, em uma cena no mínimo curiosa para os passantes.

Pois bem, a cerveja estava garantida, mas ainda faltava providenciar uma maneira de gelar aquilo tudo. Enquanto isso, as outras equipes planejavam e executavam detalhes da decoração e da divulgação. E o dia ia se aproximando... daí para frente foi só correria, não teve jeito. Vejam uma pequena amostra de como foi:

Ih, as bebidas! ainda não providenciamos os recipientes para acomodá-las! Freezer nem pensar, não conseguimos ninguém que nos alugue um. O jeito é usar esses três tonéis de plástico que temos aqui, abarrotamos eles de latinhas e de gelo... O gelo! Esqueci do gelo! Tem um pessoal aqui perto que entrega à domicílio, são 5 reais o saco com 10 kg. Caramba, vamos precisar de bastante, uns 25 sacos, vai sair caro isso... vou batalhar um desconto. Pelos meus cálculos... Nossa! É muita cerveja, vai faltar espaço, precisamos de mais tonéis. Acabamos conseguindo emprestada uma geladeira, caco velho, sem motor. Damos um jeito, colocamos ela deitada e enchemos de gelo, está feita uma caixa térmica, vão caber ali pelo menos umas 300 latinhas, agora parece que vai ser suficiente.

Chegou o dia. São 19 horas, já estou na sala de aula, vou ter prova. Acabei não estudando o suficiente, espero não levar bomba. O celular toca: CEUNI chamando. Alô? Do outro lado meu colega dispara: “Cara, acabou o gelo, vamos precisar de mais, ainda tem muita lata para acomodar”. Putz, mais quanto? “ Ih... mais uns 7 sacos, não tem jeito". Ok, chama lá, anota aí o telefone. Faço a prova, a princípio tudo certo. Desço a avenida e chego em casa. A festa já está começando. Chamamos uma moça para vender cachorro quente no pátio da casa e pedimos a ela que não venda bebidas, já que estamos cuidando disso. Ei! O que foi aquilo? Será que ela está vendendo cerveja? Enviamos um “agente à paisana” para tentar comprar a bebida ilegalmente. Alarme falso, o pessoal está atacando o hot-dog e só.

Lá pelas tantas chega um grupo de umas 40 pessoas vindo de outra festa, querem entrar. Ótimo, sejam bem vindos, são quatro reais por favor. Começam a choramingar, acham caro, querem entrar de graça, me chamam na portaria, sou obrigado a ouvir discurso enlatado sobre as mazelas da civilização judaico-cristã-ocidental. Somos taxados de burgueses e exploradores dos fracos e oprimidos. Explico que somos tão oprimidos quanto eles. A maioria acaba entrando. Meia dúzia deles fazem birra, ocupam e desapropriam nossa calçada improdutiva e ali permanecem sentados por muito tempo. A festa segue. Lá dentro o pessoal está aproveitando bastante. Um mentecapto erra o banheiro e vai mijar na porta do quarto do meu colega. Fico indignado, mas ainda consigo dar risada. Se fosse o meu quarto provavelmente não teria achado muita graça. Falando em banheiro, vou dar uma checada, felizmente ainda estão utilizáveis, menos mau. Dessa vez não falta cerveja... que alívio. Nem queiram saber a correria que foi ano passado, quando a bebida acabou quatro vezes e, para aplacar a sede dos festeiros, minamos os estoques de todas as tele-entregas da região. Lá pelas tantas a poeira começa a baixar. Vou dormir, me sinto um zumbi . Ao meio-dia iniciamos o faxinão. Nada quebrado, mas o cenário é de guerra. Limpamos tudo e a casa volta a ter aspecto de casa. Tarefa cumprida!

E foi mais ou menos isso. Outra vez, excelente festa...

21 abril 2007

Entendendo o salário dos Deputados Federais

Agora é oficial: deputado federal trabalha três dias por semana, de terça a quinta. Alegação: precisam de mais tempo para reunirem-se com suas bases nos respectivos Estados. Precisam participar de audiências, movimentos sociais, churrascos de integração, precisam assistir ao Gugu e ao Faustão sem correria para pegar o avião. A agenda de um deputado federal, percebe-se, é muito apertada.

Já tive a infelicidade de, durante uma visita a Brasília, entrar dentro da Câmara durante uma sessão e contemplar centenas de poltronas vazias, sem os respectivos traseiros instalados. A cena que presenciei foi semelhante ao que já tinha visto várias vezes pela TV: uma das “vossas excelências” discursando para meia dúzia de outras “vossas excelências” fingindo que prestavam atenção.

É batata. Quando se pensa em deputado, se pensa em salário alto. Já que precisamos encontrar uma explicação para tudo, vamos tentar explicar o inexplicável. Eis uma de minhas teorias, bem ao estilo “Severino Cavalcanti”, que tenta explicar o valor dos vencimentos da Câmara: O salário pode parecer alto, mas se analisarmos do que ele é composto, poderemos até entender os valores, a primeira vista astronômicos. Na verdade, o salário base de um deputado federal nem é assim tão alto. O que faz com que ele suba são os adicionais bravamente conquistados pelo sindicato dos deputados, depois de muita luta da categoria. A questão é que os adicionais são numerosos, por isso é que o salário acaba ficando elevado, vejam alguns deles:

O primeiro benefício concedido é o adicional “saudades da mamãe”. Todo mundo sabe o quão custoso é, para um político, isolar-se em Brasília por infindáveis três dias, afinal, dentro de uma semana útil que vai de terça a quinta feira, muita coisa acontece nos seus Estados de origem, e eles acabam sendo privados de tudo isso em benefício do país. O adicional periculosidade compensa, principalmente os vovôs do congresso, pelo perigo de baterem as botas antes de terem tempo hábil para torrar toda sua fortuna. Já o adicional insalubridade é pago com base em um laudo que comprovou a toxidade do óleo de peroba em uso regular sobre a pele do rosto. Há também o adicional penosidade, que compensa os homens do poder pelo martírio de labutarem usando uma gravata apertada, e ainda o adicional cafeína, para poderem bancar a cota mensal da substância que os mantém acordados durante a proclamação das histórias para boi dormir, nos discursos de seus colegas. O adicional “rabo preso” remunera todos aqueles que estão sempre a dever favores aos outros, para que possam saudar fielmente suas dívidas. O mesmo recurso pode ainda ser útil no caso de despesas com compra emergencial de votos. O adicional quebra de caixa assegura o pão na mesa da família do nobre político, no caso de um corte súbito na renda familiar, causada por uma eventual cassação de mandato. O adicional gafe é concedido aos profissionais que, para o desempenho da função, precisem se expor constantemente ao ridículo, quando precisam justificar algum ato ilícito com desculpas mais esfarrapadas que calças de mendigo, convicto de que em algum lugar, algum trouxa irá acreditar. E é claro, o auxílio advogado, item de consumo, recentemente incluído na cesta básica dos parlamentares.

Como podem ver, para tudo há uma explicação plausível. Logo estará sendo votado um novo aumento nos salário dos nossos representantes. Ao invés de ficarmos brabos, raivosos e indignados, resignemo-nos à nossa insignificância e procuremos entender o lado dos homens de terno. Isso, é claro, se ele existir.

É lamentável, mas o fato é que, diante de muito cascalho, muita gente se corrompe. Ganhar cada vez mais passa a ser o único objetivo do jogo. No fim das contas, nossos colegas acabam sendo movidos pelo dinheiro e não mais pelas antigas ideologias. O jovem estudante, que nas décadas de 60 e 70 esbravejava com um megafone nas mãos e era movido apenas pela sede de mudança, pelo desejo de acabar com a opressão, com as desigualdades e de fazer história, hoje se transformou em um velho barrigudo que passa a “semana inteira” procurando maneiras de se beneficiar através de acordos, coligações e joguinhos de interesses. Com tantas atividades na agenda, é claro que vai faltar tempo para brigar pelo desenvolvimento da nação. O motivo pelo qual foram eleitos acaba assim ficando em segundo plano.

14 abril 2007

Em terra de ninguém, quem tem liminar é rei

Liminar - 1 (Direito) Decisão de caráter urgente cujo objetivo é evitar perdas para uma das partes antes que o mérito de uma causa seja julgada.

Lá estava eu, almoçando e assistindo a uma reportagem do noticiário local, quando me deparo com uma informação que me fez refletir. Foram cerca de 7 segundos de reflexão, até resolver que escreveria algo a respeito. No dicionário eletrônico, digitei “liminar” e me deparei com a definição exposta acima.

Para quem não mora nas redondezas de Porto Alegre, ou mora, mas está mal informado, deixe-me explicar meu interesse súbito por tão enfadonha palavra.

Em outubro do ano passado, no Rio dos Sinos, responsável pelo abastecimento de diversos municípios aqui da região, inclusive da minha caixa d’água, cerca de 100 toneladas de peixes de 16 espécies foram vistas boiando neste que, segundo biólogos locais, foi “o maior desastre ambiental no Sinos em 40 anos”, causado pelo despejo criminoso de milhares de litros de resíduos tóxicos não tratados da indústria local. Pois bem, foi aquela gritaria de sempre...

O político acuado disse: Isso é um absurdo! Vamos apurar imediatamente os responsáveis por esse ato execrável e pútrido que atenta contra o meio ambiente e a sociedade como um todo!

O aposentado, que jogava dominó na praça, disse: Ah meu filho, eu me lembro bem... em 1942, quando eu era menino moço, vinha aqui todos os dias, tomar banho no rio, eu e meus 17 irmãos...

A dona de casa disse: Isso não pode ser assim, né moço? Ontem, por exemplo, os meninos aqui ficaram tudo com caganeira, vê se pode! Que judiaria, né moço?

O gurizão, sentado na frente do shopping disse: Baaaah véio, que loucura... tri foda isso né!?

O presidente do grêmio estudantil disse: Isso é culpa do governo inerte, burguês e neoliberal que sem o menor escrúpulo e com o apoio do FMI, lança no rio a lama negra do capitalismo, destruindo completamente o direito à oxigenação da água dos companheiros peixes!

Eu disse: Qual era mesmo o telefone daquele motoboy que entrega água mineral à domicílio?

O Juiz de Direito de uma Vara qualquer de São Leopoldo disse: pega essa liminar aqui que tá sossegado.

Dê mais uma olhada na definição de liminar ali em cima do texto. Bonita, não? E bastante pertinente por sinal. A empresa poluidora, a parte protegida pela liminar, não teve perdas, exatamente como o documento propõe. Por essa razão, conseguiu que seu nome não fosse divulgado na mídia, tendo evitado as mordidas dos cães ferozes da opinião pública. Provavelmente está lá até hoje, dando descarga na cabeça dos peixinhos sequelados, veteranos de guerra.

Mas e a outra parte? E o Rio dos Sinos? Temos que encontrar com urgência outro juiz que conceda outra liminar, desta vez em benefício do rio. Melhor ainda, vamos arranjar com alguém um bloquinho cheio de liminares em branco, assim, cada vez que vierem com uma querendo proteger os poluidores, sacamos outra do bloquinho para confrontá-la. Talvez assim funcione, dente por dente, olho por olho.

08 abril 2007

Vai um pastel aí?

É manhã de segunda feira. Na estação do trem que me leva ao trabalho em Porto Alegre, me deparo com as mesmas figurinhas da semana passada, e da anterior... A escada rolante ainda em manutenção (e totalmente estrebuchada para não deixar dúvidas), o peão e seu cigarro matinal, exalando na minha cara baforadas nauseantes daquela porcaria, o cachorro que insiste em cochilar bem no meio da passagem dos pedestres e, o pior de todos, o moço do pastel e seu probleminha de concordância. Vai parecer frescura, mas de todos os personagens citados, este último consegue ser o mais irritante. Todos os dias o homem está lá, berrando a plenos pulmões o anúncio de sua oferta irresistível às centenas de passageiros que esperam o transporte nosso de cada dia. O vendedor proclama: “É dois pastel 1 real!!! Dois pastel 1 real... pra você que não tomou café ainda, tem pastel fresquinho, massa caseira, dois pastel é 1 real...” Não contente em agredir os ouvidos alheios com seu português tenebroso, o vendedor ainda faz questão de mostrar o slogan em uma placa ostensivamente exibida em seu carrinho. Qualquer dia ainda vou presentear o sujeito com uma placa nova, pois aquela, francamente, me causa arrepios.

Ah sim, até parece que nós mesmos não cometemos nossos erros! Quem vai atirar a primeira pedra? Afinal, estamos falando de uma simples supressão de plural, prática corriqueira, especialmente aqui nas redondezas. Nada tão alarmente, diga-se de passagem, já que praticamente todo mundo acaba atropelando uma regra ou outra, até para dar mais fluidez ao discurso informal e não acabar soando como ator de novela de época. Mas não sei, tem alguma coisa especificamente com as frases do pastel que me fazem doer as partes baixas. Ironicamente, outros desastres ortográficos, apesar de trágicos, parecem não judiar tanto do ouvinte aqui e acabam até servindo como entretenimento barato. Alguns best sellers incluem: táuba, iorgute, prástico, adevogado, pobrema.

Após esta breve reflexão, eis que voltamos ao cenário anterior. Agora são quase 18 horas e estou regressando do trabalho, excepcionalmente direto para a faculdade. O estômago ronca como nunca e não farei o tradicional pit-stop em casa para o pão com queijo e a batida de banana com Neston. Na aula, teremos que entregar aquele relatório que, naturalmente, ainda não está pronto. Culpa da agenda dos integrantes do grupo, assim como eu, todos com atribuições em dose integral nos seus empregos de tempo integral, de onde tiram o dinheiro para bancarem uma mensalidade para lá de integral.

Sentado no trem, recusando balinhas, santinhos, canetinhas e sabonetinhos, sinto que não terei escolha senão apelar para o quebra galho da cozinha de rua, categoria onde estão inseridos os churrasquinhos de gato, as coxinhas de rodoviária e os saquinhos de amendoim comprados com vale transporte. E eis que lembro dele, do moço dos pastéis. É dois pastel 1 real!!! Dois pastel 1 real!!! O slogan já reverbera a tal ponto na minha cabeça, que antes mesmo do trem chegar à estação, eu já tenho a impressão de poder ouvi-lo em sua voz de animador de bingo. Àquela hora, o moço do pastel ainda está lá, firme e forte no seu posto. Seguindo a lei da oferta e da procura, os pastéis, ainda vigorosos, são agora vendidos a um preço diferenciado “...É três pastel 1 real!!!! Três pastel 1 real... pra você que não lanchou ainda, ói o pastel fresquinho, massa caseira, três é 1 real...” Diante de tamanha queima de estoques, puxo uma verdinha do bolso e passo ao ambulante, que prontamente me entrega uma sacola de prástico com as três iguarias acompanhadas por uma pilha de guardanapos.

Saio com meus pastéis fresquinhos(?) feitos de massa caseira, e o vendedor, incentivado pela minha compra, vê seu slogan funcionar e seu negócio prosperar. No final, acabo contribuindo para que a ordem natural das coisas seja mantida. Talvez ele compre um carrinho maior, ou uma frigideira extra para fritar os seus pastéis. A placa e o slogan, no entanto... Estes eu temo que sejam mantidos!
Atualização: aos finais de semana
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