30 junho 2007

O extraordinário é demais

Por que um milionário rouba?
As maracutaias, os golpes, os esquemas, as firulas dos políticos e empresários na temporada das CPI´s. Ganha quem conseguir surrupiar mais antes de ser pego.

Uma praga devastadora, comparável aos surtos de peste bubônica na Europa do século XIV, assola as regiões do planalto central. Nunca na história da República, um presidente pôde usar tanto a frase “nunca na história da República”, ao se referir aos fatos recentes da corrupção no país, tamanha a concentração de maracutaias e outros trambiques praticados pela classe dos homens de terno. É uma historinha atrás da outra, ou até mesmo duas ou três simultâneas. Não dá nem tempo da população respirar e se recuperar do soco no queixo desferido pela mão suja de um deputado, quando surge um senador para aplicar um cruzado de direita na boca do estômago do contribuinte. Apesar disso, ainda conseguimos apostar que há espécimes não corrompidos nos representando. A esperança é a última que morre, e a do brasileiro deveria se chamar Highlander, pois a impressão que se tem, é que absolutamente ninguém está a salvo, que todos estão envolvidos em algum esquema, e é apenas questão de tempo para que a próxima tramóia venha à tona.

O mal da ganância atinge o homem de tal forma que ele é movido a amontoar riquezas igualzinho aos esquilos que amontoam suas pilhas de nozes para o inverno. Mesmo em negócios plenamente lícitos, arranca-se o próprio couro, caso seja constatado que isto serve para aumentar o lucro. Enfim, suga-se até o último centavo. A verdade é que quanto mais se tem, mais se quer. Será isso um instinto animal, e por isso imutável, da espécie homo sapiens? Nos casos mais crônicos, velhinhos desviam mais dinheiro do que conseguirão gastar até o final da vida, e outros honoráveis senhores não descansam a mão ligeira enquanto não:

a) São presos;
b) Morrem;
c) Têm o membro amputado ao operarem um moedor de cana.

No nosso caso, o mais prudente é assinalar a alternativa “b”, já que na ocorrência de uma amputação, os avanços da medicina já permitem a implantação de excelentes próteses, capazes de reproduzir fielmente as habilidades originais.

Mas qual é a desses caras? Para que alguém precisa desviar 5 milhões quando já tem outros 50 na conta? Afinal, quanto precisamos para vivermos a vida plenamente? Claro, se você tem dinheiro, vai poder comprar filé mignon ao invés de moída de segunda com sebo, vai poder morar em um apartamento mais “ajeitadinho”, vai poder freqüentar as praias do nordeste ao invés do piscinão do clube, repleto de crianças com incontinência urinária. Até aí perfeitamente compreensível. Mas e os milionários que, de alguma forma, conseguem se convencer que não têm o suficiente? Sempre foi uma questão difícil de entender, até o dia que passo na frente de uma vitrine e contemplo um jeans pela bagatela de R$ 1.500, que alguém mais cedo ou mais tarde vai pagar com gosto, só para desfilar com uma grife de luxo estampada no traseiro. Realmente, nesse ritmo não há mesmo dinheiro que chegue.

Traseiros luxuosos e outras futilidades feitas para satisfazer caprichos de figurões e socialites metidos a besta me fazem lembrar do desenho animado "Mogli - o menino lobo" (Disney, 1967), onde o urso Baloo cantarolava feliz da vida:

"Necessário, somente o necessário, o extraordinário é demais.
Necessário, somente o necessário/ por isso é que esta vida eu vivo em paz..."


O urso Baloo, sem a Polícia Federal na cola grampeando suas ligações telefônicas, sabia muito bem o que significava viver em paz.

24 junho 2007

No dos outros é refresco...

Pois bem, o Grêmio foi derrotado na final da Taça Libertadores da América pelo Boca Juniors da Argentina. Quais as conseqüências deste quase cataclismo? A festa que entraria madrugada adentro foi cancelada? Os fogos de artifícios foram encaixotados? Pobres daqueles que acharam que dormiriam sossegados naquela noite. Até várias horas após o apito final do árbitro, o que se viu e principalmente se ouviu, foi uma queima de fogos de dar inveja a muita festinha de reveillon por aí. Daria até gosto de ver, isso se o horário escolhido não tivesse sido a madrugada de uma quinta-feira.

Mas que raios! Ainda que mal pergunte, qual a razão para tamanha exaltação diante da vitória de um clube argentino? Por acaso estou em Buenos Aires? Por mais curioso que pareça, o palco de toda essa festa é nada menos que Porto Alegre e redondezas, a casa e o quintal do Grêmio Futebol Porto Alegrense. Na verdade, faltou contar um detalhe crucial: também é a casa do Esporte Clube Internacional , o arqui-rival do tricolor gaúcho.

É claro que, para os que respiram futebol, é bastante natural deparar-se com aquele sorriso largo de satisfação no rosto do seu amigo, um torcedor do outro time, frente a uma derrota sua. São coisas da tradicional rivalidade do esporte, muito semelhante na maioria dos estados brasileiros. Mesmo assim, ainda não havia testemunhado nada que fizesse um brasileiro chegar ao ponto de queimar um arsenal pirotécnico e cantar feliz a derrota do Brasil para a Argentina. Logicamente não estamos falando das seleções nacionais, mas os clubes, creio eu, não deixam de ser seus representantes. Grêmio e Internacional são os grandes personagens de uma epopéia onde, muitas vezes, a derrota do adversário pode causar satisfação maior que a gerada pela vitória do seu próprio time.

O Rio Grande do Sul, apesar de possuir além desses dois, outros times de expressão significativa no cenário do futebol nacional, concentra na famosa dupla a simpatia ou o fanatismo de 99% dos nativos desta ponta do país. É um ou outro, opções alternativas são raríssimas ou inexistentes. Obviamente, os times do interior do estado também contam com torcidas numerosas, mas esses torcedores invariavelmente elegem um dos dois times da capital como suplente. Ou então, não estranhem, a suplência é atribuída ao time da própria cidade, ficando o da capital com o assento reservado na primeira classe.

Veja, por exemplo, o que acontece quando alguém se candidata a uma vaga de emprego em uma empresa gaúcha. É bem provável que o interessado se depare com um ficha de inscrição encabeçada da seguinte forma:
Uma dica valiosa: procure descobrir, de antemão, para qual time torce o seu entrevistador.

17 junho 2007

Uma pseudo-tragédia na Casa do Estudante


Terça feira. Ao chegar em casa no final da tarde, noto algo de anormal. A noite já vem caindo, mas a casa está às escuras, a porta da frente está escancarada e os móveis da sala estão espalhados na calçada da frente. Amplio o campo de visão para o telhado e vejo uma das telhas removida. Mas que diabos está acontecendo? Por um momento me passa pela cabeça a idéia de um assalto. Alguém deveria ter entrado pelo forro, revirado tudo, fugido, sei lá, vai saber. Encarando os sofás dispostos no pátio como se estivessem na vitrine de uma liquidação de ponta de estoque, constato que estão encharcados. Neste instante, eis que me cai a ficha. Vislumbrando um verdadeiro cenário de dilúvio dentro da casa, paira no ar um clima de intensa consternação, onde uma única expressão se torna perfeitamente capaz de expressar, em toda sua amplitude, a emoção experimentada diante de tão notório momento: Fudeu! Penso na caixa d’água e logo a imagino em frangalhos, despejando sua ira na forma de mil litros de água tratada sobre os móveis, sobre o som, sobre a televisão, sobre nossas cabeças.

Sozinha em casa estava a Carla, nossa colega chilena, moradora de intercâmbio. Eram cerca de três da tarde quando ela ouviu o barulho de água caindo na sala. Yo estava na cocinha e ouvi barulhos como que cachoeras a cair en la sala. Lo tieto estaba caindo abajo!!! Entón pensei... meu Dios, que está a acontecer??? Felizmente, nossa colega cujo português em situações adversas apresenta a tendência de tomar formas incongruentes, se deu conta que seria uma boa idéia fechar o registro de entrada de água, o que acabou dando um fim à cachoeira domiciliar. Ponto para ela. Mais tarde naquele dia, após checarmos a origem do problema, constatou-se que a água escoara a partir de uma conexão solta na canalização que passa pelo forro da casa. Nada complexo, nada de caixa d’água rompida afinal. Mais vinte minutos e o problema estava resolvido.

Como resultado desta obra do destino (ou mais provavelmente de um encanador relaxado), uma meleca de respeito instalou-se na sala, meleca que nossa hermana prontamente deu cabo, armada até os dentes com rodos e baldes e auxiliada por outros moradores que aos poucos foram chegando. Sofás e estante tomaram um belo banho e devem estar até agora tentando secar. Na pressa de acessar o encanamento a partir do telhado, algumas telhas foram quebradas, como não podia deixar de ser. Só de sacanagem, o dia seguinte amanheceu chuvoso, caso contrário, que graça teria? Falando em graça, classifiquei como obra prima o bilhete escrito pela Carla e publicado nesta página. A tragédia anunciada acabou tomando proporções muito menores das previstas por ela, e a tão temida inundação resumiu-se a poças isoladas. A grande vantagem disso foi não nos privarmos de boas risadas às custas do exasperado bilhete. Obviamente, o fato da casa não ter vindo abaixo também foi bastante relevante.

09 junho 2007

Estudantes negros têm direito a cotas nas universidades? (parte 1)

Volta e meia esse assunto vem à tona. Lei polêmica essa, hein? Qual será a razão para as divergências e, principalmente, quais os motivos para a criação destas cotas? Estaremos combatendo o problema ou apenas camuflando?

Ao que tudo indica, a lei das cotas foi uma forma encontrada para compensar os afro-descendentes pelas exclusões sociais, enraizadas ainda na época da escravidão, quando se plantou a idéia de que os negros eram seres inferiores. Por incrível que pareça, ela até hoje mostra seus reflexos. No final do século 19, quando a escravidão foi abolida, os ex-escravos continuaram de certa forma escravizados, já que a simples condição de homens livres não melhorava em nada sua imagem perante a sociedade da época. Surgia ali um fator que vem até hoje deixando suas marcas, através de estatísticas que mostram que, dentre os miseráveis no Brasil, 70% é de origem negra.

Pois bem, algum bom samaritano sentiu-se incomodado com isso e tratou de pensar em uma forma de acabar com a injustiça. Mas de que jeito? Como arrancar esse conceito burro da cabeça da população? Uma reforma geral no mundo e na mente dos homens? Utópico demais, além disso, levaria muito tempo, algo bem próximo à eternidade. Sem disposição para esperar até quase o dia do juízo final para ver seus ideais se realizando, esse bom samaritano acabou bolando o sistema de cotas para afro-descendentes em universidades públicas, um paliativo que começasse a apresentar resultados a curto e médio prazo, enquanto não se reformula totalmente o ensino público de base, todos sabemos, a solução real e definitiva do problema.

Afinal, o que falta para que se mude de vez essa concepção arcaica, e algumas vezes até “inconsciente” em relação aos negros? Pois só vai começar a mudar quando tivermos alcançado uma equiparação de condições sócio-econômicas entre negros e brancos. E como alcançar a equiparação, ou pelo menos começar a caminhar nessa direção? Pois será alcançada se forem oferecidas as devidas oportunidades, mais especificamente, condições de acesso e permanência ao ensino de qualidade. A partir daí, quem realmente quiser alçar vôo e se dispor a lutar, vai estar em condições de caminhar com as próprias pernas, em direção à quebra dos paradigmas.

Na vida real, o que vemos é um círculo vicioso guiando a história dos brasileiros desfavorecidos. Nascem em famílias pobres e crescem sem condições de estudarem em um bom colégio, já que bom colégio é sinônimo de bom prejuízo. Estudam a vida toda (quando estudam) em escolinhas municipais sucateadas, comendo uma gororoba insólita oferecida na merenda. Passarão em algum vestibular de universidade pública? Tirando algumas exceções de bravos vencedores, a resposta é um sonoro e vibrante não. Não passam nos vestibulares, não conseguem bons empregos, não ganham dinheiro. Vivendo nestas condições, acabam transmitindo uma idéia de inferioridade, sendo contratados para trabalharem como mão de obra barata em sub-empregos. O desfecho é um tanto óbvio. O rapaz conhece uma companheira em situação semelhante. Juntos, e sem dinheiro para comprarem uma televisão, produzem meia dúzia de filhos, meia dúzia que nascem de mais uma família pobre.

E assim se reinicia o ciclo.

(continua semana que vem...)

02 junho 2007

Estudantes negros têm direito a cotas nas universidades? (parte2)

Bem, vamos voltar ao nosso bom samaritano. Eis que um belo dia ele pensou: “Vou criar uma cota especial nas universidades públicas, para garantirmos uma certa porcentagem de estudantes negros na faculdade. Assim, vamos dar a eles mais chances de chegarem a algum lugar. E mais, vamos dar essa chance desde já, e não apenas daqui a quinze gerações quando, quem sabe, por algum milagre ou outro motivo de força maior, alguma coisa seja reformulada no sistema brasileiro de educação”. Como todo protótipo, este projeto também veio com alguns defeitos de fabricação. Baseado apenas no critério da auto afirmação, qualquer playboy albino que descobrisse que seu tataravô tinha sido moreninho, podia auto intitular-se afro-descendente. O candidato mandava fotos para uma comissão que julgava se o pretendente era negro o suficiente. Convenhamos, acabou virando esculhambação. Já o novo release do projeto corrigiu parcialmente esta falha, requisitando a comprovação da carência financeira.

Outro defeito, no entanto, ainda estava evidente. A criação das cotas acabou dando margem à insinuações venenosas, que insistentemente pairavam no ar. Elas traziam a idéia de que o negro só conseguiria passar em um vestibular se competisse com outro negro. Confesso que houve momentos em que fui totalmente contra a instituição dessas cotas raciais, justamente por causa do argumento apresentado acima. Realmente, se o princípio de tudo é a igualdade, exatamente como define a constituição brasileira, por que então incutir nos estudantes esse espírito de segregação? Não seria uma espécie de apartheid? As vezes alguns tiros podem sair pela culatra.

No entanto, independente de opiniões contra ou a favor desta lei, a maioria há de convir comigo que nos agrada muito mais acompanhar os parlamentares discutindo questões desta natureza, ao invés de assistir aos festivais de tapinhas nas costas na maratona do toma-lá-dá-cá. Que bom ver que, apesar de tudo, ainda sobra um tempinho para atenderem o povão lá fora. Esse é o caso do projeto de cotas, criado a poucos anos e já adotado em várias universidades públicas brasileiras. Na minha opinião faltam ajustes, é claro, mas os primeiros passos estão sendo dados. Quem sabe se fossem privilegiados os estudantes carentes, independente de cor, provenientes de escolas públicas? Acredito até que já estejam fazendo isso, não é tão difícil assim encontrar soluções, basta que haja interesse, (não confundir com interesse político, aquela palavrinha nojenta).

Nobres homens e suas idéias – inovadoras ou nem tanto, vocês merecem os parabéns por pelo menos estarem agindo, tomando alguma atitude em direção ao que acreditam ser a solução para um dos milhares de problemas que assolam nosso Brasil, ao invés de apenas criarem barriga, praticando o conformismo e a passividade.

Em uma pequena aldeia chamada Brasília, os habitantes começam a sucumbir, pois a água daquele povoado está acabando. Todos sabem que a muitos metros de profundidade existe um enorme lençol freático e que a salvação está na escavação de um poço, mas ninguém se coça para começar a cavar. Se alguém eventualmente levanta, pega uma pá e começa a cavoucar o terreno, os outros ficam assistindo, sentados à sombra, afirmando que não irá funcionar, que a operação levará muito tempo, que a terra vai desmoronar. E continuam ali sentados, chorando as pitangas por não terem um poço que lhes mate a sede .
Atualização: aos finais de semana
powered by eu mesmo ®