18 novembro 2007

Dois pesos e duas medidas. Portanto, não me julgues...

Em um pequeno vilarejo morava uma velhinha, cega de nascença. Ela nunca fora casada, tampouco tivera filhos. Seria completamente sozinha, não fossem as crianças da vizinhança, que diariamente vinham ouvir suas histórias e degustar os biscoitos que ela tão habilmente assava em seu forno à lenha. A velhinha adorava aquelas crianças e tinha por elas um carinho especial. Por isso, gostava de transmitir a elas seus ensinamentos de vida, pois desejava que todas se tornassem pessoas honestas e felizes. Uma das coisas que ela costumava ensinar às crianças era sobre os males da cobiça. Dizia ela:

"Crianças, nunca cobicem algo que não lhes pertencem, isso é muito feio, vocês são todos jovenzinhos que eu prezo muito, não me decepcionem sucumbindo a este mal que é a cobiça. Vejam meu exemplo, vivo na simplicidade e nunca cobicei nada de ninguém, não preciso disso. E saibam que eu ficaria muito triste se visse algum de vocês agindo dessa forma".

Foi então que um garotinho, que até então estivera ali sentado, ouvindo a velhinha com o semblante pensativo, olhou para ela falou:

"Sabe senhora, meu pai sempre gostou de cavalos e nós sempre tivemos um belo par, que papai usava para puxar a nossa carroça de frutas. Ele gostava muito dos seus cavalos e estava sempre a elogiar a força daqueles animais. Até que, há alguns meses, nosso vizinho comprou um lindo puro sangue e veio mostrá-lo ao meu pai. Antes de comprá-lo, no entanto, ele tinha passado duas semanas falando das qualidades deste cavalo que ele estava para comprar, mas meu pai permanecia indiferente, e dizia: “Esse seu pode até ser bom, mas não é melhor que esses meus dois aqui, iguais a esses não existem”. E meu pai continuava feliz e satisfeito com seus cavalos até o dia em que nosso vizinho trouxe para casa o cavalo recém adquirido e veio mostrá-lo ao meu pai. E aconteceu que, a partir do momento em que meu pai botou os olhos naquele cavalo, passou a cobiçá-lo. Mesmo já tendo ouvido sua descrição completa, nunca tinha tido a oportunidade de vê-lo. Foi a visão que lhe trouxe a cobiça".

E a velhinha cega, do alto da sua sapiência, imediatamente lembrou-se de uma passagem muito bonita que certa vez alguém lhe tinha lido: “o essencial é invisível aos olhos, mas sensível ao coração...”. Por ser cega de nascença, só tinha tido o privilégio de enxergar com o coração. Talvez, se ela pudesse enxergar como as crianças, provavelmente teria, ao longo de sua longa vida, sucumbido ao mesmo mal. E percebeu que não tinha o direito de julgá-las.

11 novembro 2007

Criando o bicho solto: um professor e seus alunos

O que acontece quando estudantes universitários são tratados como adultos – o que de fato são, e são deixados livres para agirem sob as ordens de suas próprias consciências? Para os casos onde essa consciência permite que o aprendizado seja construído “nas coxas”, deve o professor tomar uma atitude repreensiva? Ou o melhor a fazer é deixar que cada um colha os respectivos frutos?

Faculdade, dia de prova. Os alunos, no entanto, não parecem muito apreensivos. Eles sabem que, no final das contas, o professor vai acabar aliviando. Durante a prova, a cola come solta e as questões são resolvidas em grupo, em uma demonstração de espírito de coletividade de dar inveja a Karl Marx.

No primeiro dia de aula, o professor havia explicado sua metodologia de trabalho. Dissera ele: “Não estamos mais no primário, vocês são adultos, não cabe a mim ficar controlando freqüência ou servindo de babá de marmanjo para ver se alguém está colando. Vocês devem ser responsáveis pelos seus atos, se agirem de má fé, mais cedo ou mais tarde serão naturalmente selecionados pelo mercado de trabalho”. Num primeiro momento, até dei razão para ele. Passadas algumas aulas, porém, fiquei pensando se esse tiro não correria o risco de sai pela culatra.

Não raro, estudantes acabam produzindo mais quando se vêem em situações incômodas. Diante de uma nota humilhante ou da perspectiva de uma reprovação, a dedicação costuma surgir, atingindo níveis até bastante significativos. Mais do que nunca, a necessidade faz a ação. Quando não há cobrança de espécie alguma, os alunos, por mais adultos e responsáveis que sejam, acabam se dando ao luxo de estudarem o mínimo necessário, apenas o suficiente para alcançarem a aprovação. Obviamente, isso passa longe do ideal. Para alguém que trabalha durante o dia e freqüenta a faculdade durante a noite, é perfeitamente compreensível odiar a idéia de ter professores exigentes e que tenham por hábito abarrotar seus alunos com exercícios e trabalhos. No entanto, os que tiverem o mínimo de discernimento, vão acabar se dando conta que a única maneira de evitar maiores turbulências é achatar o traseiro na cadeira durante um ou outro final de semana.

Com exceção dos CDF´s de plantão, capazes de promoverem sessões de auto-flagelação quando perdem pontos nas avaliações, as pessoas “normais” geralmente se dão por satisfeitas quando atingem a aprovação plena, especialmente quando conseguem realmente aprender o que foi ensinado. Até aí nada de errado, já que a assimilação do conteúdo é de longe muito mais importante do que uma nota de dois dígitos no boletim.

Grave mesmo são os casos onde a aprovação é obtida exclusivamente na base da cola. Para estes casos, talvez o professor não devesse omitir o controle sobre seus alunos, certificando-se que os estudantes estão pelo menos buscando o aprendizado e não a decoreba. É uma lástima constatar o semi-analfabetismo de alguns alunos do ensino superior, incapazes de expressarem-se de forma satisfatória pela linguagem escrita, ou as vezes até mesmo oralmente. Já nas exatas, um aluno pode, nos casos mais extremos, ser capaz de resolver uma equação até bem cabeluda sem entender bulhufas do que está fazendo, apenas seguindo as famosas “receitas de bolo”.

A busca pelo diploma universitário tem feito com que bastante gente se esqueça de que o “canudo” é só o primeiro pré-requisito para se alcançar uma posição gratificante no mercado de trabalho. Outros tantos incluem responsabilidade, disposição, o gosto pela profissão, a dedicação, além é claro, do verdadeiro domínio do conhecimento inerente a sua área de atuação, que se espera ter sido construído junto com o diploma, o pedaço de papel que atesta a existência desse conhecimento. É uma pena, mas vistos sob este ponto de vista, alguns diplomas são verdadeiros cheques sem fundo.

04 novembro 2007

A TV e seus serviços de inutilidade pública


Domingo passado, 28 de outubro, o programa Fantástico prestou grande serviço a um grupinho de marginais da cidade de São Paulo. O programa apresentou uma reportagem estrelada por um punhado de cabeças ocas e desocupadas, que se auto-intitulam punks, e que costumam promover vandalismos, pancadarias e outras atividades de confraternização pelas ruas da cidade. A última delas tinha sido uma surra em um skinhead (vide figura), que por sua vez, certamente não estava na rua com intuito de comprar o remedinho para sua avó doente.

A molecada deve ter adorado a reportagem, bastante esclarecedora por sinal. Agora o Brasil inteiro conhece o nome das suas ganguezinhas fedorentas, além de entenderem direitinho como surgiram, em que área atuam, quem tem treta com quem, essas coisas. Enfim, foi um espaço de divulgação que qualquer grupo artístico daria tudo para conseguir.

Ao invés de destaque, esse tipo de gente mereceria ser ignorada, preferencialmente dentro de uma cela. Por outro lado, com divulgação em rede nacional, a rapaziada já pode estufar o peito e sair por aí dizendo: “Você viu? Saiu uma reportagem sobre a minha gangue no Fantástico”. Vai chover candidato a membro no clube do bolinha.

Vira e mexe e a imprensa vem com uma cagada nova. Coisa pior aconteceu na época em que a Força Aérea Brasileira estava regulamentando a lei que autoriza o abate de aeronaves que servem ao tráfico de drogas, voando principalmente na região amazônica. Na ocasião, os noticiários fizeram um grande favor aos traficantes, avisando-os que os aviões não seriam abatidos se houvesse crianças a bordo. Não preciso dizer mais nada não é mesmo? Todas as criancinhas carentes da região passaram a ganhar vôos panorâmicos de presente, onde a única exigência era que estampassem permanentemente seus rostos na janela e acenassem para os aviões de caça que eventualmente lhes vinham fazer companhia.

Liberdade de imprensa ou irresponsabilidade? Seja lá qual for o nome disso, a televisão deveria ter consciência que a exposição de certos conteúdos nem sempre é recomendável. Mas experimente falar em controle, restrição ou critérios de exibição para ver se você não é logo taxado de defensor da ditadura e da censura...

Se é do agrado dos produtores gerar e transmitir tanto lixo, que o façam então. Mas pelo menos parem de ministrar verdadeiras tele-aulas para a bandidagem. Parem de mostrar em detalhes como um ladrão profissional abre um carro, como se desarma um sistema de segurança, qual a melhor maneira de invadir uma casa. Parem de exibir detalhes dos planos infalíveis de roubos a bancos, como se domina um segurança, como é que se foge da polícia, parem de colocar idéias na cabeça de desocupados e parem de encher a bola de marginaizinhos que andam por aí fazendo pose de “mamãe-sou-malvado”. Falta de assunto para colocar no ar nunca houve. O que tem faltado mesmo é um pouco de bom senso.
Atualização: aos finais de semana
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