26 maio 2007

Resíduos de garimpo na calçada da minha casa

Lá em casa, enfrentamos um inconveniente peculiar. Nosso lixo tem sido deliberadamente “roubado” por indivíduos agindo em plena luz do dia. Atacam geralmente a sós, mas também já foram visto agindo em duplas, violando as sacolas plásticas sem o menor escrúpulo, para terem acesso a garrafas de vidro, latas de alumínio e outras preciosidades recicláveis. Tamanha é a voracidade das abordagens, que estivemos pensando seriamente na possibilidade de instalar um cadeado na tampa da lixeira, exatamente como alguns vizinhos já fizeram. O problema todo dessa história, é que os catadores, com sua fome de lixo, acabam revirando todo o conteúdo a procura dos itens que lhes interessam, deixando de lembrança uma grande lambança.

Não é de hoje que a prática de catar lixo é encarada como uma fonte alternativa de renda, mas com toda essa questão de preservação ambiental na moda, faz sentido que verifiquemos um aquecimento dos negócios para os comerciantes de quinquilharia. A impressão que se tem, é que o lixo anda valorizado na praça, sendo cada vez mais visto como mercadoria. Na verdade, não estou muito convicto se há realmente uma relação entre essas questões, mas vejo as pessoas catarem lixo como nunca, de hora em hora, e diretamente nas residências, certa novidade para mim.

Quando eu era moleque, cheguei a catar latinhas em um estádio de futebol que ficava perto de casa. Ninguém parecia se importar, ou se dar conta do valor do material, por isso me deixavam à vontade para recolher dezenas de quilos de alumínio. Logicamente, acabaram caindo logo na real e proibiram a retirada das latas. Nos meus dias de catador, as latinhas chegaram a dar um lucro considerável. Naquela época, antes do plano real entrar em vigor, comprávamos dólares para fugir da implacável inflação de 40% ao mês. Em algumas empreitadas, era possível faturar cerca de 20 dólares, uma pequena fortuna, quando vista pelos olhos daquele guri de 13 anos. Hoje, se você atirar uma lata de alumínio pela janela, ela nem chega a bater no chão, cai direto na sacola de algum catador. O mercado está muito competitivo hoje em dia, felizmente mudei meu ramo de atuação.

Afinal de contas, devemos ver com bons olhos esse garimpo urbano das nossas lixeiras? E por que não? Além de “gerar emprego”, a prática aumenta o volume de resíduos destinados à reciclagem. Mas, e a sujeira que surge como efeito colateral, como fica? Presenciar a cena de alguém cagando a frente da sua casa é de tirar qualquer um do sério. Só nos resta limpar pessoalmente a imundície ou conviver com ela, raramente há uma terceira opção, já que armas de fogo não estão sendo consideradas como opção nesta análise.

Não podemos vencê-los? Pois bem, juntemo-nos a eles. Na lixeira da Casa do Estudante onde moro com mais 13, estamos implantando o mais novo e moderno sistema “anti-lambança”, o qual esperamos que acabe com a bagunça provocada pelos nômades do lixo. A idéia, que na verdade não é nenhuma novidade, consiste em criar uma divisória na cesta de coleta, depositando em locais distintos, as partes recicláveis e as não recicláveis, devidamente identificadas. Vale ressaltar que sempre tivemos o hábito de separar nosso lixo, só vamos acrescentar a organização da cesta, servindo de bandeja o material reciclável aos interessados. Cascas de frutas e afins vão passar a virar adubo em nosso quintal, uma munição a menos para os franco atiradores da companhia da sujeira.

Se ainda assim resolverem cuspir no prato que comem, paciência, cadeado nela. Será aberta somente para o acesso do caminhão da limpeza pública, ou então para alguém que se comprometa a simplesmente recolher as malditas sacolas sem fuçá-las feito cachorro magro. Vamos ver o que acontece.

20 maio 2007

Habemus inverno!

Mais uma vez o sonho acabou. Cá está novamente o inverno e seu fiel companheiro, o frio. E não estamos falando de friozinho qualquer, mas sim deste clima maligno do Rio Grande do Sul, onde normalmente o verão é um forno e o inverno é um freezer. Tamanha disparidade acaba causando reações diversas nas pessoas, todos têm sua opinião formada sobre o assunto clima, não há muito espaço para indiferença. E assim como há louco para tudo, há também os que detestam o verão tanto quanto eu detesto o inverno. Com bastante esforço, estou aprendendo a tolerá-lo, o que já é um progresso e tanto, considerando os flagelos descritos adiante.

Vamos ao que “interessa”, o inverno da região sul. Sabemos que no Brasil, uma parte significativa e feliz da população ignora o conceito de frio, a não ser quando chupa um picolé ou abre a geladeira, o que não é o caso desta ponta do país, onde se bate queixo de maio a agosto.

Afinal, como se justifica uma simpatia por esse clima do capeta? Eis um dos argumentos que mais ouço: “Ah, adoro o inverno, é tão gostoso, sentar debaixo das cobertas, bem quentinho na frente da lareira, assistindo TV o dia inteiro...” Claro, desse jeito fica mesmo fácil gostar do inverno. Pena que não estamos na terra do nunca, ou na ilha da fantasia. Aqui, no mundo real, não estamos em condições de considerar lareiras, cobertores ou esse ócio extremo que permite ao vivente ficar o dia inteiro tomando chocolate quente debaixo das cobertas e assistindo Ana Maria Braga. Vamos aos fatos, vamos à vida como ela é.

Acordar cedo, já começa por aí. O que já era uma tarefa desagradável torna-se um martírio no inverno. Deixar o aconchego das cobertas para caminhar tremendo feito vara verde até o banheiro é mais complicado do que pode parecer. Uma vez lá, lava-se a cara com água gelada, e também o cabelo, para que este assuma uma forma ao menos aceitável. Na rua, há o trajeto de caminhada, onde um termômetro marcando 5 graus nunca é uma visão muito bonita. Sinceramente, não entendo como alguém em sã consciência pode gostar de andar todo entorpecido, semi-congelado. Deve ser masoquismo.

Como amenizar o problema? Com roupas, é claro, muitas roupas. Após devidamente adaptado para uma caminhada ao ar livre, acabo sentindo-me como uma múmia empacotada para o frete. Já na hora do banho, mais precisamente no momento de fechar a água, o frio desleal ataca com requintes de crueldade o corpo indefeso, que diante do sofrimento iminente, nada mais pode pedir além de alguns segundos de reflexão, essenciais para que se crie a coragem necessária à execução de tão árdua tarefa. E andar de moto? Outro ritual, ainda mais longo e minucioso, tanto na colocação como na retirada dos trajes, nada prático, principalmente durante as famigeradas visitas ao Sr. Water Closet, o WC.

Vamos dar as boas vindas ao inverno, estação dos trens e ônibus lacrados e seus passageiros bichados, distribuindo solidariamente seus vírus. Das roupas que não secam no varal, das mãos entorpecidas ao lavarem a louça. Por outro lado, estação de moças elegantes e charmosas em seus belos casacos, que no verão, serão substituídos por belas saias.

Que saudades do verão...

13 maio 2007

Diplomaticamente falando

Assistindo ao noticiário que mostrava a recepção do presidente Lula ao Papa Bento XVI, fiquei com uma certa impressão que o companheiro não estava muito à vontade. Acabei associando a cena àquela situação, onde o namorado, muito à contra-gosto, se vê obrigado à fazer sala para a família da sogra. Além de fazer sala, nosso presidente ainda se vê obrigado a providenciar um discursinho politicamente correto, para que seja lido diante do Pontífice e das câmeras. Textinho chulé, fraquinho na verdade, onde ficou evidente que o Lula estava ali meramente cumprindo tabela.

E não tinha como ser diferente. Como sabemos, sempre se espera que o presidente da república dê seu pitaco em tudo, desde a crise financeira até o novo penteado do Evo Morales. Portanto, por via de regra, alguma coisa invariavelmente será dita, mesmo que o discurso acabe ficando com cara de “papo político só para constar”, mais conhecido nas casas do ramo como “recheio de lingüiça”. O repertório já é manjado: joga-se um charme, elogia-se bastante a autoridade, ressalta-se tudo de bom que ele tem feito pela humanidade, deixa-se de lado as divergências que certamente são ditas ou ao menos formuladas quando ele está a milhares de quilômetros de distância. Bajulações, promessas, tapinhas nas costas, sorrisos para os fotógrafos...

Ser diplomático, ser político, isso não deixa de ser necessário as vezes. Mas cabe o cuidado para que não se force a barra além do que a barra agüenta. Dos tempos da Grécia antiga, quando o filósofo grego Aristóteles produziu sua obra Política, até os dias de hoje, há de se convir que alguns conceitos acabaram mudando, ou melhor, se distorcendo e tomando novas vertentes. Valores e conceitos antigos sofreram verdadeiras mutações, que acabaram dando origem à politicagem, o filho feio da Política de Aristóteles

Esse papo de política e Grécia antiga está meio nebuloso? Então veja um exemplo: Em uma empresa fictícia, um gerente qualquer depara-se com uma tragédia: na sua sala, um vaso de samambaia muito mal posicionado está obstruindo a vista da janela panorâmica em frente à mesa. E não é só isso! A pobre plantinha está posicionada diretamente abaixo da saída do ar condicionado. Isso não pode ser bom para ela, vai que a coitadinha resseca ou adoece, com todos aqueles ácaros... Imediatamente, ele telefona para o chefe da manutenção e relata o ocorrido. O chefe da manutenção, que aliás, virou chefe depois de aprender as artimanhas da politicagem, solicita que dois de seus colaboradores (eufemismo para peão) parem imediatamente o que estejam fazendo para irem movimentar o vasinho de samambaia do gerentão. O encarregado, com sua equipe, suado e atordoado lá no chão de fábrica a 45ºC, tentando bravamente solucionar a pane de uma máquina no meio de outras tantas zunindo nos ouvidos, ao tomar conhecimento da natureza da nobre missão, prontamente responde à mensagem: “Mande aquele corno barrigudo levantar a bunda da cadeira e ajeitar ele mesmo a porcaria da planta. Não posso me dar ao luxo de interromper a manutenção deste equipamento, algo realmente importante para atender aos caprichos daquele velho mimado”. Diante de tamanha veemência, o chefe da manutenção repassa ao gerente o recado do encarregado: Caro senhor, no momento nossa equipe está totalmente empenhada no atendimento à uma emergência operacional na linha de produção. Tão logo possível, estaremos tomando todas as ações necessárias para a solução do seu problema.

Da mesma forma, agem aqueles que estão à frente de grandes empreendimentos, já que, normalmente, são os procurados para darem explicações por conta de alguma cagada operacional, mesmo que não tenham a menor idéia do porquê dela ter ocorrido. Nessas horas, nada melhor do que se limitar a dizer o que estão querendo ouvir. E o que se quer ouvir? Nada mais que as explicações de sempre, os curingas da arte da embromação, ou como são mais conhecidos em nosso meio, o discurso político.

Não vamos medir esforços... Não vamos tolerar...Vamos tomar todas as medidas... Vamos apurar as causas.... Vamos apurar responsabilidades... Vamos... Vamos... Vamos dar o fora daqui!

05 maio 2007

Rock nos tempos da fita cassete

Os não simpatizantes que me perdoem, mas hoje vou falar sobre Rock and Roll. Não exatamente uma ênfase histórica, ou alguma explanação sobre estilos e influências, até porque não tenho cacife suficiente para isso. Vou me deter ao assunto que domino, que é como iniciei nesse ramo, em uma época em que a internet não passava de protótipo e, consequentemente, todos que desejassem montar um acervo sonoro de respeito, precisavam necessariamente gastar muito dinheiro, ou suar muito camisa.

Muito mais que uma música tocando em meu CD player enquanto corto a grama ou arrumo o quarto, este brado retumbante que há pelo menos 15 anos ecoa nos meus tímpanos, acabou tornando-se um item de primeira necessidade, companheiro fiel nas horas de lazer ou descanso. Ou alguém duvida que se possa descansar com o Sepultura trovejando no seu ouvido? Dependendo do contexto, lhes digo que é um santo remédio (vide penúltimo parágrafo).

Lembro-me perfeitamente do dia em que aprendi a andar de bicicleta, mas não consigo lembrar como me contagiei com esse som. Tenho alguns flashes na memória do Robson moleque, gravando coletâneas e mais coletâneas de músicas em fitas cassete, lados A e B, limitados a 60 minutos por unidade. Eram horas a fio com o rádio ligado, de plantão sobre o botão REC, que era freneticamente acionado quando eu ouvia, em meio aos comentários do radialista, os primeiros riffs de uma guitarra que me agradasse. Outro recurso bastante explorado era a gravação indireta a partir da TV ou de outro toca-fitas, captando o som a partir de um microfone colocado no auto-falante do aparelho. Obviamente ficava uma porcaria, mas eu não era muito exigente naquela época. Diante desse cenário, meu sonho de consumo passava a ser um gravador de duplo deck, que permitiria copiar as fitas dos colegas sem sonoplastias anexadas ao fundo, tais como barulho de carro, cachorro latindo ou minha mãe me chamando para almoçar.

Naquele tempo eu era limitado não apenas no equipamento, mas também no repertório. Contava basicamente com uma coleção em vinil de Beatles, nossa herança de família, e algumas fitas de conjuntos nacionais copiadas de amigos, como Ultraje a Rigor ou Engenheiros do Hawaii, na época recém saídos do cenário de Porto Alegre, com a novíssima O Papa é Pop. Esse cassete, que pedi como presente de natal em algum momento do início da década de 90, foi meu primeiro álbum original, passando a ganhar um local de destaque junto com as fitas gravadas a partir das rádios.

Apesar das limitações impostas pela época, o interesse pela música era grande. Várias horas eram gastas na tarefa periódica de limpeza dos cabeçotes dos toca-fitas com cotonetes embebidos em álcool. Na falta do álcool eu usava o desodorante “Avanço” , aquele anunciado por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias no programa dos Trapalhões – “Avanço, você usa e a mulherada avança”. Alguém se lembra? Era também necessário, pelo menos uma vez por mês, avançar e rebobinar todas as fitas, colocando-as em movimento para que não mofassem. De uma forma ou de outra, o contato com a música era constante.

Os anos passaram e meus equipamentos sofreram um upgrade. Antes da era MP3, cheguei a montar um pequeno acervo, composto por CD´s de Rock e Heavy Metal, hoje praticamente transformados em artigo de coleção. Estão todos lá, com seus belos encartes, marca característica das bandas deste estilo musical. Esta é outra curiosidade. Ao invés da foto dos integrantes do grupo, as capas dos CD´s de Rock quase sempre mostram belos desenhos, alguns verdadeiras obras de arte. Por outro lado, em encartes de certos estilos, dificilmente vemos algo além da fuça do cantor, seu sorriso amarelo e sua pose de ator mexicano.

Hoje tenho coisas melhores que toca-fitas e cassetes embolorados. Os riff´s do Black Sabbath e os solos do Led Zeppelin ecoam mais felizes e saudáveis, importunando meus colegas de casa com o a imponência que lhes é devida. Só mesmo os amantes do bom e velho Rock and Roll para conhecerem o efeito alucinógeno de uma carga de decibéis no ouvido. Sua substância ativa é capaz de eliminar os efeitos nocivos da exposição contínua à “sonoridades com as quais não demonstro simpatia”, ocorrida em alguma festa de confraternização ou churrasco de domingo. Para este mal, só existe um remédio: chegar em casa e esmerilhar um AC/DC ou Iron Maiden, ótimos anti-depressivos de tarja branca.

Que o bom e velho Rock and Roll possa sempre se renovar, mas que não perca sua identidade. Que venha a gurizada com sangue novo e suas guitarras nervosas, mas que os velhos mestres não se calem em nossas vitrolas empoeiradas.
Atualização: aos finais de semana
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