09 novembro 2008

As manhãs de domingo.


Na semana passada, o GP do Brasil encerrou com chave de ouro o campeonato de Fórmula 1 de 2008 , com emoções há anos não vistas. Para ser mais exato, desde a época em que o saudoso Ayton Senna nos brindava com seus shows dominicais, não ouvíamos com tanta frequência a música tema da vitória brasileira na fórmula 1. Depois que Felipe Massa assumiu o volante da Ferrari, no entanto, essa musiquinha se tornou bem mais freqüente e a vitrola pôde finalmente sacudir a ferrugem acumulada, já que para funcionar vinha dependendo da confluência dos planetas Júpiter e Plutão, único fenômeno que fazia com que Rubens Barrichelo tivesse alguma sorte nas pistas.

Apesar de em 2008 termos novamente nos acostumado às vitórias brasileiras na F1, parece que essa música não soa mais da mesma forma como soava nas vitórias de Senna, já que foi com o nome dele sendo anunciado por Galvão Bueno que a melodia emplacou de vez: “Lá vem Ayrton Senna na ponta dos dedos pra receber a bandeirada, já vai apontar na reta, lá vem ele, Ayrton, Ayrton, Ayrton Senna do Brasil!!” Tan tan tan.... tan tan tan...

O talentoso Felipe Massa que me perdoe a sinceridade, mas ouvir essa música tocando para ele é como vestir um terno caro que, apesar de muito bonito, parece ter sido feito sob medida para outra pessoa, ainda que, na verdade, essa música tenha sido encomendada pela Globo no início da década de 80, portanto, antes de Senna.

Quem tem hoje mais de 25 anos certamente se lembra dos duelos de Senna com seus maiores rivais de pista: Alain Prost, Nigel Mansell e Nelson Piquet. Nessa época, as corridas tinham alguns temperos a mais, ou alguns aparatos eletrônicos a menos. Antes, por exemplo, da revolucionária “suspensão ativa” - a menina dos olhos da equipe Williams em 1991, bastava uma tomada na câmera on board dos carros para que testemunhássemos a sensação de estar à bordo de uma britadeira sobre rodas, somada à ausência do câmbio semi automático, o que fazia com que os pilotos ficassem uma boa parte do tempo com apenas uma das mãos ao volante, enquanto a alavanca de mudança de marchas precisava ser acionada. Pouco a pouco, novos recursos iam sendo implantados nos carros das equipes, sendo que as menos favorecidas acabavam ficando por muito mais tempo sem certas regalias. Foi exatamente o que aconteceu com Senna no início da sua carreira, fato que nunca o impediu, no entanto, de aplicar surras memoráveis nos seus oponentes, ainda que equipado com um carro inferior.

Hoje a fórmula 1 continua contando com grandes pilotos: Felipe Massa, Lewis Hamilton, Fernando Alonso e Kimi Raikkonen são realmente bons, mas seus talentos são invariavelmente ofuscados pelo brilho do maior de todos. E é claro, não podemos nos esquecer de Michael Schumacher, que com toda aquela cara de repolho azedo, conquistou nada menos que sete campeonatos mundiais. Sem dúvida um grande nome, mas cá entre nós, gostaria muito de ter visto o desempenho dele naquela Lotus que Senna pilotou entre 1985 e 1987.

Para quem não acompanhou, ou para quem está com vontade de recordar o talento do fantástico Ayrton Senna, vale muito a pena assistir o vídeo abaixo, em minha opinião, a melhor prova da genialidade do piloto, que em 1994 teria seu brilho apagado de forma trágica na curva Tamburello do circuito de Ímola, na Itália. Simplesmente imbatível na chuva, Senna larga em quarto no GP da Europa em 1993 e, sem tomar conhecimento dos adversários, faz diversas ultrapassagens ainda na primeira volta, nesta que ficou conhecida como a “volta de placa”, assim como Pelé e seu lendário gol de placa.

http://mais.uol.com.br/view/84871

Da mesma forma como ocorreu com Pelé, a impressão que fica é que, por mais que surjam grandes talentos, nenhum vai conseguir igualar a genialidade de Ayrton Senna da Silva.

24 outubro 2008

PAPO RETO – Episódio de hoje: A fina arte de fazer compras.

- Central de peças, boa tarde!
- Boa tarde, estou precisando do orçamentos de uns parafusos.
- Pois não, qual o código?
- É um parafuso M8.
- É pra já! Hum... seis centavos!
- Ok, mas preciso disso por email, exigência da empresa.
- Sem problemas, qual seu email?
- Anota aí, vou soletrar...
- Tranquilo, estou mandando o orçamento.
- Jura!? Vai mandar mesmo?
- Ué? E não foi o que eu disse?
- É, disse. Mas a maioria acaba não mandando.
- E porque não?
- É que alguns fornecedores não têm paciência para lidar com nosso sistema de compras, acham enrolado demais e acabam se recusando a cooperar.
- Bobagem, estamos aqui pra isso. Mas em quanto tempo vocês formalizam o pedido?
- Bem, isso acontece depois. Primeiro algumas etapas precisam ser vencidas.
- Que etapas?
- Pois bem, vou te enviar uma planilha padrão. Preciso que você preencha todas as colunas com os dados do parafuso, incluindo código, descrição completa e preço unitário. Mas precisa discriminar separadamente todas as parcelas que compõe o custo do material, assim como os insumos agregados durante o processo de manufatura do componente. Todas essas informações devem constar em duas planilhas, uma relativa aos serviços e outra referente aos materiais.
- Puxa vida! E depois disso vocês fecham o pedido?
- Não, isso é apenas um orçamento que será confrontado com no mínimo mais dois em um processo de licitação.
- Tudo bem, mas se o meu preço for o mais baixo vocês fecham o pedido então?
- Não, depois disso você tem que fazer uma nova cotação.
- Hãã? Mas de novo?
- É que aquela era só para o balizamento dos preços de mercado, para justificar a minha estimativa de custo junto ao setor de compras. Depois disso o setor de compras vai precisar reunir os meus três orçamentos e acrescentar pelo menos mais dois para aí sim abrir a concorrência.
- Que coisa! Então quando isso acontecer vou simplesmente reenviar o email anterior.
- Infelizmente precisa ser feito um cadastro na internet para viabilizar a sua participação no processo de licitação.
- Cadastro? E o que eu preciso fazer para me cadastrar?
- Precisa preencher os requisitos mínimos dispostos no site e entregar toda a documentação exigida. Está vendo a lista aí no site?
- Sim mas... caramba, eu não tenho metade dessa miscelânea! E mesmo que tivesse, toda essa papelada iria me custar uns cem contos em xerox!
- Bem, então acho que a sua empresa não vai conseguir se habilitar para o fornecimento dos parafusos.
- E ainda que mal pergunte, ALGUÉM se habilita?
- Sim, claro. Só temos que contactar algumas grandes empresas de São Paulo.
- Cruz credo! Por causa de meros parafusos? Isso não acaba elevando o preço pago pela mercadoria?
- Naturalmente. Neste caso, uns 450%.
- E você não acha que essas normas estão indo contra os interesses da sua empresa?
- Acho sim, na verdade tenho certeza. Mas ninguém está muito interessado no que eu acho ou deixo de achar. Preencha as planilhas e todos ficarão felizes.
- Amigo, com todo o respeito, não vou preencher picas. Se quer parafusos venha aqui na loja buscar. E traga dinheiro com você.
- Ok senhor, o sistema público brasileiro agradece pela sua atenção, tenha uma boa tarde...
- Boa tarde pra você também, e boa sorte, você vai precisar.

27 setembro 2008

Ferramenta versus produto.

Recentemente um dos meus colegas de empresa largou o batente. Após cinco anos, avaliou sua situação e concluiu que lá fora havia mais a ser explorado, bem mais do que o seu dia-a-dia vinha lhe oferecendo. Na ocasião, ocupava um cargo de chefia e contava com estabilidade e um bom salário, mas preferiu pôr em prática um projeto pessoal, guiado pelo anseio da busca por novos horizontes. Com isso em mente, ao invés de sentar-se por mais 20 anos na mesma cadeira, sentou-se no banco da prancheta e rabiscou alguns esboços. Olhou para o papel e enxergou naqueles rabiscos algo realmente gratificante. Embalou tudo, entrou em um taxi e disse ao motorista: “para o aeroporto!”

A partir do momento em que ele nos dizia “até logo” e eu lhe prometia algum dia bater à porta na sua nova casa na Espanha, começavam a formar-se na minha cabeça algumas idéias sobre a natureza da relação de nós mesmos com o nosso trabalho, e até que ponto o vínculo que mantemos com as nossas atividades deve se sobrepor à realização de projetos pessoais. Em outras palavras, será que o dinheiro ganho com o nosso trabalho está desempenhando o seu real papel, que é meramente o de constituir um meio através do qual alcançamos nossa realização pessoal?

Se questionarmos qual a necessidade de um bom salário a alguém que ganha muito, essa pessoa provavelmente dirá que o objetivo do dinheiro é proporcionar para si e sua família uma vida digna. Com dinheiro banca-se um alto padrão de vida. Compra-se conforto, saúde, lazer e segurança. Mas será que isso representa o mesmo que uma alta qualidade de vida?

Tomando um exemplo hipotético, do Dr Euclides e do Toninho, veremos que apesar da diferença de muitas centenas de reais no salário, grosso modo ambos conquistam as mesmas coisas, apenas um percorre um caminho mais longo que o outro para tal. Dr Euclides, por exemplo, paga mensalmente uma grande soma para uma firma de segurança evitar que marginais arrombem a sua casa. Na casa do Toninho, os únicos que entram sem serem convidados são as galinhas, que sua esposa enxota à vassouradas. Dr Euclides entrega outra soma considerável a uma academia para mantê-lo razoavelmente apresentável, enquanto o Toninho, apesar de adorar uma macarronada bem servida, nunca teve problemas com a balança, já que a lida no campo se encarrega de dar destino às suas calorias. Se o Dr Euclides gasta fortunas com médicos devido a problemas respiratórios crônicos agravados pela poluição, o Toninho se limita a comprar Mertiolate, esparadrapos e um tubo de Gelol quando algum cavalo xucro eventualmente o derruba no chão. Os cavalos são do Dr Euclides, que sempre que pode, compra uma passagem de avião e vai passar alguns dias revigorantes na sua fazenda, onde o Toninho trabalha como caseiro.

Não há como negar que, para o bom gastador, dinheiro pode ser muito benéfico. Se ambos Dr Euclides e Toninho são espertos o suficiente, logo se dão conta que não há nenhum mal na aquisição de bens supérfluos, desde que estes não acabem retendo para si mais importância do que realmente merecem. Afinal, é justamente com esse objetivo que trabalhamos pelo dinheiro, pois apesar dele acabar sendo essencial, não deixa de ser um mero instrumento para alcançarmos nossos objetivos finais. O crescimento como pessoa, o acúmulo de vivências, conhecimento e realizações, ao contrário do dinheiro, nenhum assaltante é capaz de tirar de você.


"Quando a última árvore tiver caído,quando o último rio tiver secado,quando o último peixe for pescado,vocês vão entender que dinheiro não se come."

12 setembro 2008

Eu sou maior que você!

Ao chegar em casa e ligar a televisão para me distrair enquanto disfarçava a bagunça no quarto, vi que passava um filme já pela metade. Era mais um daqueles pastelões melodramático norte-americanos, um primor na arte da embromação. Acabei me prestando a sentar e acompanhar o filmeco, que falava do vôo 93 da American Airlines, um daquele que caiu durante os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001. Esse vôo, para quem não se lembra, foi aquele último a ir ao chão, onde os passageiros, já cientes da missão suicida dos terroristas à bordo, tentaram reagir e tomar o controle da aeronave. Para ser sincero, eu estava mesmo era um tanto curioso para saber como seria a cena dos mocinhos morrendo no final, uma grande inovação, em se tratando de filme americano.

O resultado, no entanto, já era previsível: pobres famílias desamparadas, várias criancinhas de olhos azuis indagando porque o papai não ia mais voltar para casa. Era a deixa para as mães explicarem o quão cruel o mundo é, que lá do outro lado existem pessoas más que falam uma língua esquisita e matam pessoas inocentes. Tudo isso em meio a musiquinhas de efeito, lágrimas e o mesmo “God save America” de sempre. Enquanto isso, na terra de Alah, fora do alcance dos telespectadores e sem musiquinhas de efeito, um garotinho de cabelos negros e olhar penetrante pergunta por que é que uma bomba teve que cair em cima da sua casa, matando a sua mãe, enquanto seu pai era executado “meio que sem querer” pelas forças de ocupação que há anos rondam o seu país.

Enxergamos um lado, não olhamos para o outro - a mente humana é muito influenciável por imagens e emoções. Se só temos acesso a um lado da moeda, existe a tendência de encararmos essa informação como verdade absoluta. Nem sempre é fácil conduzir uma linha de pensamento sem ficarmos presos dentro dessas redomas que abafam nossa capacidade de raciocínio lógico.

Lembro que quando eu era moleque, gostava mais desses filmes. Na época, eu não percebia os sintomas sutis (ou nem tanto) da alienação e do excesso de um patriotismo (ou regionalismo) cego de quem cisma em convencer a todos de que somente a sua cultura presta, que só os representantes do seu povo são realmente espertos, coerentes e civilizados. No sul do Brasil, por exemplo, ainda existem resquícios daqueles ideais separatistas que, do alto da sua mesquinhez, teimam em ignorar a imensa riqueza formada pela diversidade cultural e pela abundância de recursos naturais, bens de uma grandeza tal que somente poderiam estar reunidos dentro de uma invejável vastidão territorial, exatamente como a do Brasil.

Um povo que tanto almeja a prosperidade precisa tomar cuidado com a disseminação de ideais tortuosos. Se um sotaque é diferente do nosso, isso não deveria ser motivo de chacota. Lembremo-nos que o falar deles é esquisito em relação ao nosso, tanto quanto o nosso é esquisito em relação ao deles. Se por um lado receamos ou até mesmo tememos os efeitos da globalização, à medida que ela extingue tradições e culturas, achatando-as todas a um mesmo plano, por outro lado participamos com nosso quinhão, ao tratarmos com escárnio qualquer tipo de cultura diferente daquela com a qual estamos habituados.

22 agosto 2008

Compêndios de uma olimpíada.

Antes do início é aquela expectativa! O melhor da festa é esperar por ela, já dizia a velha máxima. Para o Brasil, mais do que qualquer outro país no mundo, ela cai como uma luva. No ano das olimpíadas, a contagem regressiva segue mês a mês, até a grande cerimônia de abertura, que é transmitida com pompa e com recordes de audiência. E quando a numerosa delegação brasileira entra no estádio, o clima é de otimismo e confiança: “vamos todos torcer por muitas medalhas para o Brasil”, comenta o narrador.

As disputas iniciam-se e passamos a assistir estarrecidos a impotência do Brasil diante de alguns países. Como todos sabem, os adversários dos nossos atletas não se limitam aos integrantes das demais delegações. Para eles, as competições já haviam iniciado muito antes das olimpíadas, enquanto competiam contra as enjambrações sempre presentes nos programas de treinamento em um país que não investe no esporte. Nações que se consagram como grandes medalhistas são muito bem estruturadas neste ponto e oferecem verdadeiros “planos de carreira” aos seus atletas. É claro que todo esse investimento é bastante motivado pela propaganda que as medalhas costumam promover, mas pelo menos existe a consciência de que sem ovo quebrado não há gemada. No Brasil, os únicos ovos quebrados continuam sendo os da marmita do maratonista, que nas horas vagas é pedreiro e sempre arranja um tempinho para treinar entre uma laje concretada e outra.

Uma das poucas modalidades onde o Brasil tem apresentado uma hegemonia razoavelmente constante é o futebol, pois o esporte parece estar mesmo no sangue do brasileiro. Mas o que era para ser só alegria em Pequim, acaba virando motivo de irritação, quando assistimos jogadores de salários milionários e no auge da juventude jogando feito seniores, arrastando os respectivos traseiros em campo, levando um chocolate da Argentina e deixando o Dieguito Maradona todo sorridente na tribuna.

Nosso porta voz de tudo isso, o onipresente Galvão Bueno, transmite de hipismo a pebolim com suas já conhecidas e indesejadas pinceladas de psicologia de boteco. No clímax das disputas, a imagem do esporte na tela da TV ainda tem que dividir espaço com a família dos atletas. Lá estão, radiantes, o pai, a mãe, a vovó matrona, os irmãozinhos ranhentos e os vizinhos penetras, todos em um uníssono “filma nóis Galvão!” Sempre há no time um atleta escolhido para a sessão baba ovo, geralmente o componente da família em questão é o eleito. Quando isso acontece, o jeito é repousar o dedão nas imediações da tecla mute.

E assim a olimpíada vai seguindo, ignorada por grande parte dos brasileiros que precisam acordar cedo para trabalhar e não podem se dar ao luxo de acompanhar ao vivo, madrugada adentro, a choradeira brasileira. Que o diga o capixaba Fábio Luiz, o jogador de vôlei de praia derrotado pelos americanos na disputa pelo ouro. Cabra macho que é, tentou como pôde disfarçar com seus óculos de sol os olhos marejados, mas acabou desmascarado pelo sacana do repórter que denunciou em rede nacional a lágrima que descia pelo seu rosto.

Nestas olimpíadas algo incomum está ocorrendo. Os chineses, estimulados pelo coro de 1 bilhão de torcedores, vêm aplicando uma surra premeditada nos Estados Unidos, em um prognóstico da possível semelhança entre o quadro de medalhas olímpico e o quadro econômico mundial. Fica cada vez mais claro ao mundo que o gigante está definitivamente acordando. Talvez seja hora do Brasil, outro gigante, começar a espiar como é que se faz isso. Se na natureza, tal como no governo, nada se cria, tudo se transforma (ou se copia), aí está uma boa oportunidade para lançarmos alguns olhares para a China, tentando copiar a parte boa e transformar a parte ruim, o que, por sinal, eles também têm de sobra.

08 agosto 2008

PAPO RETO - Episódio de hoje: O prato vazio

- Quer saber? Tem um monte de coisas que me irritam em você.
- Ah é?
- É. Pra começar te acho um cara muito individualista.
- Acha? E como você chegou a essa brilhante conclusão?
- Os pratos. Uma vez íamos almoçar juntos e você só pegou o seu prato no armário.
- E o que tem isso?
- Isso prova que você é um individualista, que só pensa em você, que não está nem aí para os outros.
- Eu sinceramente desconhecia essa relação entre pratos e personalidades. Não te ocorreu que eu posso simplesmente não ter me ligado?
- Não. Se você não pensasse apenas em si próprio teria posto ambos os pratos.
- Sei. E onde você leu isso?
- Nunca li coisa alguma.
- Percebe-se.
- Ei, o que você quer dizer com isso?
- Deixa pra lá. Mas veja só, na ocasião você também não serviu meu prato, somente o seu. Você também é individualista.
- Não, isso é diferente!
- Qual a diferença?
- Ah, tá na cara né?
- Não, não está.
- Olha, essa é minha interpretação, tá bom? Vai ver estou errada então!
- Certa a resposta!
- Engraçadinho... Aposto que pensa que estou falando um monte de abobrinhas.
- É uma excelente aposta. Ponha bastante dinheiro nela.
- Quer dizer então que você realmente acha que estou errada?
- Olha, sei lá. Mas esses seus parâmetros estão pra lá de suspeitos.
- Pra mim está perfeitamente claro que essa sua atitude demonstra individualismo. É tão difícil pegar o meu prato?
- Não, não é nada difícil.
- Então porque você não o pegou para me provar o contrário?
- Porque não estou interessado em provar nada. Não estou em campanha eleitoral.
- Que é isso guri? Andou fumando um? O que é que campanha eleitoral tem a ver com o assunto?
- Ocorreu-me agora.
- De onde você tirou isso?
- Alguns candidatos passam toda a campanha sorrindo e colocando na mesa lindos pratos vazios para todo o eleitorado, com a “maior” boa vontade. Outros não se dão ao trabalho. Preferem se dedicar ao preparo a comida, mesmo que isso os deixe suados e descabelados, afinal, é a comida que sacia a fome, mesmo sem um prato bonito. Já o contrário não ocorre, a recíproca não é verdadeira.
- Hãã?
- E tem gente que passa a vida dando mais atenção ao prato do que à comida. Depois, geralmente se arrepende.

01 agosto 2008

Vote com consciência, mas haja paciência!

Estamos em 2008, ano eleitoral. E não é pouca merreca, diga-se de passagem, pois tratam-se das eleições para escolha de prefeitos e vereadores. Lembram o que isso significa? Pois isso representa uns “sei lá quantos” mil candidatos de sorriso colgate enchendo diariamente nosso saco por votos em todo o território nacional. Eles estão chegando de mansinho, já começamos a ver nas nossas cidades as primeiras carrancas emporcalhando fachadas, chão, postes e quaisquer outros espaços “disponíveis”.

Muito em breve, coisas bizarras aparecerão também na TV, para a alegria dos diretores de programas humorísticos. Figurinhas das mais variadas surgirão na sua casa, desde pobres miseráveis com uma cartolina na parede e em um estúdio mal iluminado à disposição, até os mais ajeitadinhos, manipulados por marketeiros eficientes e de rostinhos impecavelmente maquiados pelas melhores bichas do mercado.

Ainda é cedo, e por enquanto, bem poucos cartazes arruinam o urbanismo das nossas cidades, tais como uma fina garoa que não molha ninguém. Mas eis que virá o tempo em que a tormenta apocalíptica lançará sobre a terra toda a sua fúria, e dragões de dez cabeças e sete chifres arrastarão com suas caudas a terça parte das estrelas do céu, que cairão sobre a terra em forma de toneladas de santinhos. Ainda que todo aquele papo ambiental esteja na moda, uma quantidade absurda de papel cuja única utilidade será entupir bueiros, serão espalhadas pelas ruas. Aliás, será que nunca antes na história deste país alguém pensou nos benefícios de um decreto proibindo isso?

E como gostam de gerar lixo! Alguém precisa avisá-los que quase ninguém escolhe candidato por um cartaz! Não é simplesmente porque simpatizei com este ou aquele sorriso amarelo que vou votar no seu dono. Não me perguntem como, mas deve haver uma maneira mais inteligente de se fazer popular do que esse método via lavagem cerebral. Enquanto nenhuma mente brilhante encontrar outra maneira, continuaremos presenciando os velhos e surrados clichês eleitorais. Sorte das criancinhas, que ainda vão ganhar muito colo.

E não se esqueça de prestigiar as propagandas na TV dos candidatos do seu município. Prepare a pipoca e chame os amigos, pois será diversão garantida.

05 julho 2008

Nova “lei seca” - tolerância intolerável?

Sábado, dia 21 de junho, enquanto eu esperava na fila do mercado para pagar pela minha lata de farinha láctea, uma notícia estampada na capa do jornal me chamou atenção: “nova lei prevê tolerância zero para bebida ao volante”. A partir de agora, quem for flagrado no bafômetro com qualquer sinal de álcool vai voltar caminhando para casa, e com uma conta de quase mil reais para pagar, além de perder a habilitação por um ano. Li e gostei. Em uma análise preliminar, achei que não só eu, mas uma boa parte dos brasileiros receberia a nova resolução de braços abertos. Afinal, quem é que gosta de transitar em meio a motoristas alcoolizados?

Ledo engano. Passeando em um site de notícias na internet, me deparei com uma página que falava da tal lei. Lá no rodapé, dezenas de comentários de leitores. Quando fui ver o que diziam, percebi que cerca de 90% repudiava a medida, sob os mais variados pretextos, ou melhor, nem tão variados assim.

Nota-se claramente que muitos dos que reclamam já estão bastante preocupados. A maioria já contabilizou os “prejuízos” da abstinência de álcool no churrasco de domingo, no jantarzinho romântico ou nos embalos de sábado à noite. Que lástima hein? E agora José? Será que a solução é mesmo acatar e, se for dirigir, não consumir álcool algum? Convencer a namorada a ir jantar de ônibus? Ou chutar o balde, arriscando ficar mil reais mais pobre e um ano sem dirigir? Fácil mesmo, ao que tudo indica, está sendo repudiar a lei: “ISSO É UM ABSURDO!! ESSA LEI É UMA PALHAÇADA! SOPRAR BAFÔMETRO É INCONSTITUCIONAL, VOU LIGAR PARA MEU ADEVOGADO!!”

Pois bem, aí está, o grosso dos comentários. A indignação surge perante a descrença na eficiência da lei mediante ao contexto em que ela se aplica, citam-se corrupção policial, estradas mal cuidadas, políticos incompetentes. Claro, muitos estão preocupados mesmo é com o próprio umbigo, pura e simplesmente, mas uma boa parte ainda acha que o combate à violência no trânsito está se dando de forma errada, o popular erro de prioridades na solução dos problemas por parte do governo.

E quem vai saber? Vai ver até que existem mesmo caminhos mais curtos até a raiz do problema. Mas não nos esqueçamos que não é de hoje que beber e dirigir é proibido. Essa lei sempre existiu, (e não tinha como ser diferente), apenas ficou mais rígida. E se a rigidez parece ser um problema, que tal pesquisar as legislações de trânsito de outros países, aqueles cujo povinho tanto invejamos pela educação e cidadania? Ah, sim, mas lá as estradas são boas, o seu guarda não pede um pro cafezinho, os políticos são um pouco menos corruptos. Mas e daí? Por isso deixaremos de cumprir a lei aqui? Um erro não justifica o outro.

Sim, seguir essa lei pode se tornar um saco, mas isso não deveria impedir seu cumprimento. Além do mais, ninguém vai morrer por ter que, de vez em quando, se contentar com uma Sukita. E aos que continuam semeando bobagens através de teorias mal-ajambradas, que tal pararem de bancar o garoto rebelde e experimentarem obedecer a porcaria da lei?

Só esperamos que os agentes fiscalizadores tenham a decência e a capacidade de tratar da mesma forma, tanto o caminhoneiro e sua pinga quanto o desembargador e seu Johnnie Walker12 anos.

E para quem ainda não assimilou a novidade, segue link interessante para tirar dúvidas relacionadas à lei da tolerância zero:
http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Geral&newsID=a1997631.xml

20 junho 2008

Armas, pra que te quero?

Só para nos situarmos: Em 2005, todos lembram, tivemos no Brasil um referendo questionando a opinião popular sobre a proibição do comércio de armas, artigo previsto no estatuto do desarmamento. Na ocasião, após acalorados debates sustentados por ambos os pontos de vista, acabou vencendo a proposta que ia contra a proibição do comércio de armas de fogo e munição no país.

Pois bem, não há motivos para retomar os mesmos argumentos tão surrados durante as campanhas do referendo, mas, por uma razão ou outra, certas idéias andaram pipocando na minha cabeça ao longo desta semana. É prudente andar armado? É uma decisão acertada? Encarando a questão sob diferentes pontos de vista, vamos nos colocar na pele de três personagens:

Situação 1: “Batalhei a vida toda, suei a camisa e, com muito esforço, conquistei meu patrimônio e formei uma bela família. Por uma dessas infelicidades da vida, acabei vindo morar neste antro de bandidagem. Quais as minhas opções? Ficar na mão dos marginais até que resolvam assaltar a minha casa e ameaçar a minha família? Depois de uma vida inteira de esforços, entregar de mão beijada meus bens para um mané capaz de matar alguém por um punhado de reais? Não mesmo! Vou carregar uma arma comigo, sou uma pessoa equilibrada e me considero apto para tal, mas se alguém vier me ameaçar eu passo fogo.”

Situação 2: “Tem muita gente andando armada por aí, meu colega. E se achando o gostoso por conta disso. Outro dia me disseram “Ei, cuidado com aquele sujeito, o cara anda armado, impõe respeito, não se meta com ele mermão.” Impõe respeito? Opa, espera aí colega. Quer dizer que ele impõe respeito porque carrega um ferro? E eu não consigo me fazer respeitar apenas porque ando de mãos abanando? Não seja por isso. Vou agora mesmo à loja de artigos de caça e resolvo esse problema. Serei também digno de respeito, um cara para quem as pessoas abaixarão a cabeça quando dirigirem a palavra, um cara que... Um momento! Desse jeito qualquer um que se sentir desrespeitado vai querer comprar a sua arma, e impor respeito deixará de ser uma exclusividade minha! Ah, assim a coisa perde toda a graça!”

Situação 3: “Aqui na minha cidade, a população já vive plenamente a cultura do armamento, praticamente todos estão, de fato, armados. Os desarmados são meras exceções. No meio deste faroeste, eu até pouco tempo atrás nunca tinha pensado em ter uma arma, mas me senti obrigado a comprar uma porque, afinal de contas, todos à minha volta têm a sua e eu não quero ser o único trouxa vulnerável dessa história. Afinal de contas, sou bem grandinho, tenho a cabeça no lugar e considero-me em plenas condições de ter uma arma, que usaria exclusivamente para defender meus entes queridos, não sairia com ela por aí como um adolescente ostentando um troféu.”

Considerando estes três argumentos me surge a pergunta: estariam estas pessoas mais protegidas por terem uma arma? Será que criminosos deixariam de assaltar se soubessem que todos sem exceção andam armados? Alguém já pensou que, em uma situação dessas, a única mudança talvez fosse na técnica de abordagem? O famoso clichê “passa a grana senão te mato” seria substituído por uns cinco tiros preventivos na vítima, evitando que ela tenha a chance de sacar a arma que o marginal sabe que está lá. Valeria a política do “fuzilar primeiro e perguntar depois”.

Armas, alguém realmente precisa delas? Se alguém é contra a matança de bois e galinhas, não deveria consumir o produto desta ação, mesmo sendo amante de um bom churrasco. Da mesma forma, quem não quer ver uma população armada, não deveria possuir a sua, mesmo não conseguindo condenar um pai de família por querer defender sua casa, ou uma mãe por exterminar os assaltantes que tentavam levar o carro com o filho dentro, ou ainda, mesmo sabendo que, com ou sem proibição, a bandidagem sempre arranja maneiras de se armar.

Enfim, não deixa de ter razão quem anda armado. Mas tampouco está errado quem se recusa a incluí-la na sua cesta básica. Quem opta por não portar armas, antes de ser um alvo fácil, é alguém que deseja com todas as forças a erradicação dessa cultura. Sua atitude isolada não muda coisa alguma, mas lhe dá o direito de maldizer uma bala que partiu de uma briga de trânsito e alvejou um inocente.

14 junho 2008

Ainda não

Estamos nos encaminhando para mais um final de semestre letivo. Por motivos de forças maiores, ou melhor, trabalhos e provas maiores, o blog vai ficar mais uma semana sem atualização.

Cá entre nós, vamos admitir que não há como considerar esse recado mixuruca uma atualização, certo?

31 maio 2008

Arquivo morto.


Para quase todos os empregados de uma empresa pública, os dias de trabalho costumam ser, via de regra, recheados de procedimentos padronizados e burocráticos. Para cooperar, nosso gerador de políticas aleatórias tem tido surtos freqüentes de loucura e, como resultado, normas bastante questionáveis têm vindo à tona. Esta semana, por exemplo, a maquininha deve ter considerado que o estoque de papel na empresa andava muito elevado. Como solução imediata, instituiu novos formulários a serem preenchidos por todos os empregados, dando início a uma intensa campanha pró-gastança, visando desafogar as prateleiras do almoxarifado.

Caso você tenha considerado o parágrafo acima ligeiramente forçado, permita-me descrever o último formulário de RH preenchido por mim para atualização de dados pessoais, aí talvez você mude de idéia. Constituído por diversas páginas, o objetivo da coisa era colher possíveis atualizações de dados pessoais dos funcionários. Caso houvesse alterações nas informações, estas deveriam ser lançadas nos campos correspondentes, abaixo dos dados antigos que também constavam no formulário. Caso não existissem alterações, bastaria assinar cada uma das diversas folhas e devolver tudo em branco ao RH. Vejamos: continuo com o mesmo nome, minha data de nascimento tampouco sofreu alterações e, por incrível que pareça, depois de todos esses anos de serviço, o nome dos meus pais continua inalterado. Coloco a data, assino e entrego a ficha em branco (não estou brincando, a ficha possuía campos para atualizações em todos esses dados).

Mudando um pouco a abordagem, mas sem pular os muros do setor público, também merece destaque o indefectível mecanismo anticorrupção para compra de materiais. Assim, se precisamos adquirir cinco unidades de um parafuso qualquer, algo que causa um rombo de cerca R$ 0,28 aos cofres públicos, devemos antes imprimir três orçamentos e anexá-los à pasta que foi criada especialmente para a tramitação deste processo. Dali a uns dois meses e outra dúzia de papéis, se tudo sair como esperado, estaremos recebendo os tais parafusos. Logicamente, ao final do processo, teremos gasto mais dinheiro com papel e tinta para impressão de toda a documentação de aquisição do que com o produto em si, sem falar do tempo empatado brincando de despachante. Não é divertido?

Para a formalização de grandes contratos, naturalmente, o furo é mais embaixo. A quantidade de papel a ser amontoada é tamanha que faz com que muitas empresas proponentes pensem seriamente se vale mesmo a pena participar da licitação. São pastas e mais pastas quase estourando com quilos de cópias autenticadas que ninguém nunca vai pôr os olhos, com exceção, talvez, do operador da fotocopiadora e do estagiário que montou a pasta.

Existem muitos outros casos onde a “papelada pra constar” atulha estantes e alimenta traças, e a quantidade de recursos gastos somente para administrar isso tudo tende a ser muito mais do que apenas significativa. No final do dia, a bola de neve atinge proporções tão absurdas que chego a imaginar se não se gasta mais recursos para lidar com toda essa selva de papel do que com a própria atividade fim da empresa.

24 maio 2008

Os acadêmicos da terça-feira.

A noite de terça feira custa a passar. Sentados nas classes, cerca de trinta futuros engenheiros apreciam a exposição de um tema indigesto. À frente de um quadro negro tomado por cálculos, deduções, matrizes, integrais e equações diferenciais, um professor septuagenário despeja o conteúdo da sua disciplina para dezenas de expectadores entediados. E lá estou eu, fazendo parte do cenário.

Após duas horas de aula, passo a travar uma batalha ferrenha contra minhas pálpebras que cismam em fechar-se. Acompanho com certo sacrifício aquela didática toda particular, enquanto o tom de voz cadenciado e constante, juntamente com a imagem do retroprojetor, fazem eu me sentir como se estivesse dirigindo um carro em linha reta depois de ter almoçado um prato de feijoada com bacon.

Sob os olhares consternados dos pupilos, o velho mestre, após desenvolver uma equação quilométrica e cabeluda, vira-se e lança a pergunta: “Ficou perfeitamente claro? Todos entenderam?” Olhando para a platéia, aguarda os questionamentos, mas nenhum braço se levanta. Talvez ainda não tenha ocorrido a ele, mas para que algum questionamento possa surgir, naturalmente, é necessário um mínimo de compreensão do tema, pelo menos o suficiente para permitir que alguém seja capaz de formular uma pergunta.

Devido à baixa interatividade da aula, o professor inicia então uma rodada de perguntas dirigidas, onde pelo menos uns cinco felizardos têm o privilégio de expor sua ignorância ao resto da turma. Na tentativa de escapar das encaradas do mestre e da possibilidade de ser eleito para responder alguma pergunta, todos afundam os olhos nos cadernos ou desviam os olhares para o quadro negro, onde aquele monte de rabiscos teima em não fazer sentido algum.

“Joãzinho, você entendeu o que eu acabei de demonstrar?” Dispara o professor, ao que o Joãozinho resolve ser sincero, dizendo que não entendeu bulhufas do que ele vinha explicando. Verdade dita, logo surge o rebote: “Ok, e o que exatamente você não entendeu?” Pergunta o solícito professor para o ingênuo e já arrependido Joãzinho. Novamente acuado, não lhe agradando a idéia de sugerir ao homem que retome o conteúdo desde o início do capítulo 1, ele ensaia uma cara de intelectual enquanto tenta formular a resposta mais genérica de que se tem notícia. Os colegas entreolham-se e engolem o riso diante de mais uma tentativa de aplicação da velha e conhecida técnica de fuga pela tangente.

A aula segue e ninguém mais é posto em situação constrangedora. Desta forma, sem mais nenhum tipo de entretenimento, acabo sendo vencido pelo sono. Mesmo sentado no fundo, sou avistado pelo velho dos olhos de águia, que levanta o braço e pede silêncio à turma: “Não vamos atrapalhar o sono do rapaz ali no fundo”.

Engraçadinho ele. O cara sempre escolhe os piores momentos para bancar o cool.

17 maio 2008

Buscando um lugar ao sol.

Você sempre sonhou em cursar uma renomada universidade, mas a mensalidade lhe custaria o equivalente a um fusca 1979? O vestibular da universidade federal é um bicho feio que tende a fazer suas vísceras se revolverem? Seus problemas acabaram! Chegou o Enem 2008, o Exame Nacional do ensino médio, que este ano está completando uma década de vida.

O exame foi criado em 1998, com o objetivo de avaliar o desempenho dos egressos do ensino médio. Durante os primórdios do programa, no entanto, os candidatos aparentemente sentiam falta de algum estímulo que os convencesse a pagar a inscrição e perder um Domingão do Faustão para irem prestar a prova. Nas primeiras edições, portanto, o números de inscritos costumava ser bem modesto.

A cada ano, no entanto, este número ia aumentando, até que em 2004, quando o Ministério da Educação criou o Programa Universidade para Todos (ProUni) e vinculou a concessão de bolsas em universidades privadas à nota obtida no exame, o número de inscritos misteriosamente cresceu de forma exponencial. Desde então, este número vem superando com folga a marca dos três milhões.

Como acontece com absolutamente tudo nesta vida, o Enem e o ProUni conquistaram seus fãs, mas também fizeram surgir críticas. Certamente existem pontos a ponderar, mas ao que tudo indica, o programa tornou mais democrático o ingresso no ensino superior, ao permitir que muitos jovens, sem uma renda familiar que lhes garantiria o acesso a uma universidade, tenham agora mais chances de se apoiarem nos seus méritos pessoais para conseguirem a vaga.

Um bom exemplo disso seria o Zé Tonico, guri inteligente e esforçado que era sempre visto por aí com seus tênis Conga de segunda mão e suas roupas compradas por sua mãe em “promoções de balaio” no Mercado Público da cidade. Seu pai saía todos os dias bem cedo, em busca de uns bicos que garantiriam a comida na mesa da família de oito filhos. Obviamente, este panorama não muito colorido colocara Zé Tonico à mercê do ensino público. Estudava na Escola Municipal “Professorinha Carmélia Viana Lurdes Conceição dos Passos”, que apesar de não ser nenhuma Harvard, pelo menos dispunha de uma biblioteca, mirradinha que só vendo, mas de onde o Zé Tonico retirava livros surrados que lhe serviam de lazer durante os finais de semana chuvosos.

Este mesmo Zé Tonico, orientado poucos anos atrás por algum benfeitor, acabou se inscrevendo para a tal da prova do Enem, onde, por sinal, se deu muito bem. A boa pontuação colocou o rapaz na cara do gol, em uma jogada que iria projetá-lo para realizações com as quais vinha sonhando desde a adolescência. Tendo conquistado uma bolsa integral de estudos em uma renomada universidade, a essa altura ele já passa da metade do curso de graduação e está com tantos planos na cabeça que mal consegue administrá-los todos. Em pouco tempo estará formado, trabalhando por um salário digno e dando orgulho aos seus pais e uma chance a mais aos seus irmãos.

Assim como o Zé Tonico, milhares de estudantes vêm se beneficiando do Enem e do ProUni, que parecem estar favorecendo quem realmente precisa e merece. Por tudo isso, o aniversário de uma década do Enem merece comemoração, já que ele segue firme e forte no sistema educacional brasileiro, às vezes tão manco que chega a beirar o insustentável. Merece ainda festinha com bolo, brigadeiros, balões e presentes. E o que dar de presente? O Enem é uma idéia que parece ter dado certo, é também uma questão que deveria provocar reflexões. Reflexões, aí está! Vamos embrulhá-las todas para presente. Ele vai adorar.

10 maio 2008

Os fins justificam os meios, mas os meios desconhecem os fins.

Protestos, quebra-quebras, revoluções, atos públicos, ocupações... Movimentos legítimos para reivindicação por direitos ou badernas generalizadas? Não é de hoje que a pergunta paira no ar.

Maio de 2008. Pelos corredores da universidade, cartazes anunciam debates relacionados ao quadragésimo aniversário de um evento que ficou marcado na história da sociedade. Junto com os cartazes, fotografias retratam estudantes em confronto com a polícia, ou pichando frases de efeito nos muros da cidade.

Neste mês de maio, celebram-se os 40 anos do “maio de 68”, que é como ficaram mundialmente conhecidos os confrontos ocorridos naquele ano nas ruas de Paris, surgidos inicialmente como um protesto estudantil contra o autoritarismo nas universidades (leia-se proibição de estudantes de ambos os sexos freqüentarem o mesmo dormitório) e que acabou transformando-se rapidamente em uma contestação ao governo, principalmente após a adesão dos operários da cidade ao movimento. Todo aquele barulho acabou servindo de estopim para uma série de transformações políticas e comportamentais, que afetaram profundamente a sociedades da época, com reflexos que perduram até os dias atuais.

Como se pode perceber, já não é de hoje que idéias revolucionárias entram em conflito com administrações conservadoras. O conservadorismo, genericamente falando, sempre tendeu a assumir ares pejorativos, enquanto os ideais revolucionários geralmente estiveram associados à jovialidade e ao coletivismo. Quando imaginamos episódios como o maio de 68, a primeira coisa que costuma vir à cabeça são imagens de confrontos e protestos acalorados, da juventude libertária contra os “velhotes retrógrados e caretas” que costumam estar por cima da carne seca. Mais do que questionadores, o papel dos estudantes parece ser, via de regra, o de oposição ao regime, seja ele qual for. O que se passava na cabeça dos idealizadores daquela revolução de 68, grosso modo, é o mesmo que continua incutido nos revolucionários do século 21. Ainda que o pano de fundo seja outro, o conceito continua girando em torno de uma oposição a um regime, a um sistema, a um método ou a uma simples ação com a qual não há concordância. O “ser revolucionário”, passou a estar associado diretamente à participação em protestos e outros atos impactantes, com o objetivo claro de chamar atenção para uma determinada causa.

Talvez este seja mesmo o único recurso que certas minorias, no “alto” das suas limitações, dispõem para expor suas aflições. Mas mesmo considerando a enorme dificuldade que estas classes encontram para despertar a atenção dos governantes, será que isso lhes dá o direito de, deliberadamente, causar transtornos aos demais cidadãos? Mesmo o maior simpatizante deste tipo de movimento manteria sua opinião caso se visse estagnado em uma avenida bloqueada e com sua esposa dando à luz no bando de trás do seu Fiat 147? A questão é mais complexa do que parece, e já várias vezes me flagrei refletindo sobre isso após argumentações com colegas cujas opiniões divergem das minhas.

Na verdade, o que mais perturba nessa história toda, são as dúvidas que surgem em relação ao real engajamento de parte daqueles que engrossam o caldo do efetivo nas ruas. A força dos gritos não parece corresponder às ideologias, ou mesmo ao simples conhecimento da causa reivindicada. Além dos gaiatos que encontram ali uma excelente oportunidade para escapar daquela aulinha chata de português, temos também os que atiram pedras apenas para terem historinhas para contar aos netos, ou para proclamarem orgulhosos por aí como enfrentaram (e apanharam) da polícia.

Apesar do teor dos comentários, ainda compreendo que poucas maçãs podres são capazes de estragar toda uma carga de bons frutos. Obviamente, isso só se aplica para as caixas que possuem bons frutos.

19 janeiro 2008

“Fróide” explica


Animais selvagens batendo cabeças em disputa por território e motoristas cantando os pneus de seus carros em disputa por atenção. Alguma diferença?

A RBS TV lançou, no final do ano passado, uma campanha de conscientização contra acidentes nas estradas, intitulada “Violência no trânsito: isso tem que ter fim!”, onde propagandas educativas foram endereçadas principalmente aos jovens motoristas, comprovadamente os maiores causadores de acidentes. Na fase atual da campanha, três atrizes aparecem condenando categoricamente todas aquelas atitudes agressivas, típicas de jovens ao volante. Veja as falas de duas delas:

“O tipo de homem que eu não gosto é aquele que entra no carro e sai correndo feito um desvairado, se achando o cara, o bacana, o garanhão. Sabe o que eu fico pensando? Se ele é rapidinho assim no trânsito, deve ser rapidinho em tudo...”.

“O tipo de homem que não tem chance comigo é o homem grude. Sabe aqueles que andam grudados na traseira dos outros? Eu jamais sairia com um cara desses. Pensa bem, se ele faz isso no trânsito, deve fazer também na fila do cinema, na sala de embarque do aeroporto, no vestiário do clube, hum? Vai saber...”

Em passeios noturnos, próximos a bares e outros points urbanos, percebe-se facilmente como essas atitudes agressivas ainda fazem sucesso com o sexo oposto. Salvo exceções, continua-se achando aquilo tudo muito lindo, muito másculo. No entanto, graças a esses depoimentos na TV, a moral dos garanhões da távola motorizada tem escorrido ralo abaixo. Pelo menos assim esperamos.

E por que só os homens se comportam desta forma? Por que somos uns idiotas? É, provavelmente isso também. Mas creio que a principal razão esteja no sangue, literalmente, já que a combinação testosterona e volante tende a ser bastante perigosa. Se, além disso, houver nas redondezas certos representantes da fauna urbana – leia-se gatinhas, potrancas e cachorras, aí sim a mistura possui grande chance de se tornar letal. Por razões nada desconhecida, a rapaziada adora usar suas gaiolinhas de lata como chamariz para as fêmeas, igualzinho ao que ocorre nas demais espécies do reino animal. Já viram um pavão exibindo orgulhosamente suas penas coloridas para impressionar a companheira? Pois é.

Um dos motivos que me fazem crer no sucesso da campanha na TV, é o golpe certeiro que ela desfere nesses bobos da corte, atingindo em cheio seu ponto mais sensível: o ego machão. Quando belas mulheres passam a fazer chacota sobre essa necessidade ridícula de exibição constante de virilidade, a mensagem tem muito mais chance de ser assimilada do que outras tantas que fizeram uso de frases bonitinhas ou imagens chocantes. A triste realidade, minhas caras colegas, é que para muito homem por aí, ter a masculinidade questionada é muito mais ofensivo do que qualquer outra coisa. Fale mal da mãe dele, mas não fale mal do seu pinto.

Será que essa campanha vai realmente alcançar resultados mais significativos que suas antecessoras? Suspeito que sim e, se acontecer mesmo, será um tanto quanto curioso, para não dizer cômico. O ser humano é ou não é a criatura mais fascinante de todas? Não foi à toa que Sigmund Freud fez sua fama.

12 janeiro 2008

Monólogos no trem

É sexta feira, cerca de 17h30min. Estou no trem, retornando para casa após o trabalho. Vagão cheio, temperatura na casa dos 35 graus. Estou de pé, com uma mão me apoio e com a outra equilibro um encorpado volume de um guia de viagens da América do Sul. Entretido pelas suas páginas e com a cabeça a uns 5000 km dali, mal percebo o que se passa ao meu redor.

Bem ao meu lado, uma senhora de uns cinqüenta ou sessenta anos começa a me observar atenciosamente. Acabo percebendo e, com um olho no livro e o outro nela, chego à conclusão que o livro é mais negócio. Retorno às suas páginas.

Lá pelas tantas, a velha senhora não se contém e resolve puxar conversa:

- O que é isso que você está lendo? É a bíblia?
- Hein?
- Isso aí... é uma bíblia?

Seria um engano compreensível, julgando-se pelo volume das oitocentas e tantas páginas do meu livro. Poderia até existir certa semelhança, se pelo menos a capa não exibisse uma foto em close de uma indiazinha Inca, com os dizeres “América do Sul - guia do viajante independente” em letras garrafais.

- Não, não é uma bíblia, respondo em tom sereno.
- Ahh. É um livro de estórias então? É um romance?

Percebo que ela não desistiria assim tão facilmente e muito menos se daria por satisfeita com um outro “não”. Resolvo então incrementar um pouco minha fala:

- Não, também não é um romance. É um guia de viagens.
- Ahhhhh... um guia de viagens, hummmmm...

Inocentemente, passo a acreditar que essa minha explicação detalhada e minuciosa a deixaria satisfeita. Porém, como podem perceber, acabo não sendo feliz:

- Você vai viajar então?
- ...
- É, pois é.. Vou sim.

Concluo que ela está mesmo a fim de papo e, por mais que eu tente fazer cara de concentrado em minha leitura, ela não faz cerimônia em me interromper a cada quinze segundos com suas colocações pertinentes. Acabo não tendo outra escolha senão fechar o livro, deixá-lo debaixo do braço e dar um pouquinho de atenção para a velha. Pacientemente, vou tentando matar sua curiosidade quase imortal, ouvindo suas histórias e sendo gentil na medida do possível. É o mínimo que eu posso fazer e, ao mesmo tempo, é o máximo a que eu me disponho a fazer.

Lá pelas tantas, como se falar sobre sua vida já não rendesse assunto suficiente, eis que a atenciosa senhora encontra uma brecha e desata a tagarelar sobre seus parentes, amigos, conhecidos, a turma do bingo, as senhoras do clube do tricô e, é claro, do Nestor, seu bondoso (e falecido) marido. Recordando agora, não consigo lembrar ao certo como ela conseguiu encaixar tantos assuntos, discorrendo sobre metade dos componentes de sua árvore genealógica. Bem, só pode ter sido quando deixei escapar que eu estava lendo aquele guia por causa de uma viagem de moto que faria. Isso foi mais que suficiente para ela me contar sobre seu sobrinho, o Marquinho, menino teimoso e difícil que não ouviu suas advertências sobre pilotar alcoolizado uma CG 125. E olha que não foi só ela que alertou o Marquinho. O peralta não ouviu nem ela, nem a Cleusa e muito menos a Clotilde. Continuou aprontando por aí até se estatelar contra uma árvore e perder uma perna. Pobre plantinha...

A viagem segue. Raios, porque tenho que morar tão longe? Meia hora depois, muito menos paciente e muito mais informado do que antes, anuncio, com uma profunda dor no coração, que eu desceria na próxima estação. E eis que ela prontamente puxa da sua bolsa um cupom fiscal de supermercado e em seu verso desata a escrever.

- Pega, ela diz me estendendo a tira de papel.
- Aí está meu endereço. Quando retornar de sua viagem me mande as fotos para eu ver os lugares por onde você passou.
- Sim, claro
. Respondo com um sorriso amarelo na cara e coloco o papel no bolso das calças. As portas do trem se abrem e eu ganho a plataforma da estação. Com o trem novamente em movimento olho para trás, ainda a tempo de vê-la acenando. Retribuo a gentileza e vou embora.

Quanto ao papel com o endereço, este ia sobrevivendo, até o dia em que esqueci de tirá-lo do bolso para lavar as calças. Menos mal. Ao menos assim não precisei ficar com peso na consciência caso decidisse ignorar categoricamente o pedido da minha “colega de viagem”. Afinal, era o que eu certamente acabaria fazendo.

05 janeiro 2008

Cumprindo tabela no reveillon


“Adeus ano velho, feliz ano novo”. Novamente nos despedimos do ano velho, já com aspecto roto, gasto, bem diferente de quando ele iniciou: novinho, todo limpinho e com cheiro de talquinho de nenê.

O início de cada ano é um marco de mudanças para aqueles que se propõe a encarar novos desafios, e também um ponto de referência, que nos ajuda a lembrar que devemos esquecer as desilusões e direcionar nosso pensamento para o futuro, ou, melhor ainda, para o presente. É o momento de fazermos novos planos e colocarmos em prática os antigos. Após as doze badaladas, dívidas são perdoadas, intrigas são eliminadas e dietas são iniciadas.

No entanto, se você é daqueles que não vêem a coisa dessa forma e encaram a virada como um dia depois do outro, não se acanhe. Eis uma receita simples para deixar o início do ano marcado na sua memória, sem riscos desse dia acabar passando em branco.

Para começar, compareça à festa em alguma praia ou avenida lotada. Vá munido de uma garrafa de champanhe barato, a ser generosamente borrifado na cabeça de todos à sua volta. Não aja de maneira inconseqüente, mas seja criterioso na escolha de suas vítimas: priorize as pessoas de banho tomado e de roupinha branca, não tem como errar. Dê também preferência às moças com cabelo alisado às custas daquele engenhoca conhecida como “chapinha”. Leve consigo pelo menos duas caixas de rojões barulhentos - os mesmos que você usou para comemorar o rebaixamento do time adversário, e exploda tudo a poucos metros dos seus vizinhos. Após o espetáculo dos fogos de artifício, corra para junto do palco montado na praia e assista ao pagodão patrocinado pela prefeitura. Depois do show, caso a tarefa de voltar para casa lhe pareça excessivamente árdua e irrelevante, acomode-se na areia e se entregue a Morpheus, até ser acordado na manhã seguinte, com sua cabeça sendo massageada pela vassoura de um gari.

Para os mais ortodoxos ou os menos corajosos, existe ainda a opção de iniciar o ano no aconchego do próprio lar. Neste caso, é muito importante não sucumbir à televisão, evitando assim sua exposição às ondas sonoras e eletromagnéticas nocivas à saúde, emitidas pela programação de fim de ano e propagadas por Faustão, Roberto Carlos, Xuxa e Renato Aragão. Longe das drogas e de cara limpa, aproveite o ar fresco da noite, vá à varanda e assista ao espetáculo quase particular de pirotecnia que seu vizinho fez o favor de lhe proporcionar, sem ônus algum.

Seja lá qual tenha sido a sua programação, mantenha o pensamento positivo e acolha 2008 com todo o otimismo que ele merece. Talvez ainda não seja este o ano em que você vai perder os quilinhos a mais ou que sua vida vá dar um grande salto. Você provavelmente não irá ganhar na loteria e nem mesmo nenhuma daquelas ladainhas anunciadas no seu horóscopo irá se realizar. No entanto, você esta aí, com saúde, tem comida na sua geladeira e você é perfeitamente capaz de ler este texto. Grandes coisa? Você é que pensa! Há muito ao seu alcance, possivelmente mais do que imagina. Estenda a mão e escolha os bons livros da prateleira. Providencie uma bússola e escolha corretamente seus caminhos. Tire proveito do fato de não haver ninguém chicoteando seu lombo e te impedindo de buscar estas coisas. E a partir daí, faça você mesmo o seu “feliz ano novo”.

E que todos nós o façamos.
Atualização: aos finais de semana
powered by eu mesmo ®