14 abril 2007

Em terra de ninguém, quem tem liminar é rei

Liminar - 1 (Direito) Decisão de caráter urgente cujo objetivo é evitar perdas para uma das partes antes que o mérito de uma causa seja julgada.

Lá estava eu, almoçando e assistindo a uma reportagem do noticiário local, quando me deparo com uma informação que me fez refletir. Foram cerca de 7 segundos de reflexão, até resolver que escreveria algo a respeito. No dicionário eletrônico, digitei “liminar” e me deparei com a definição exposta acima.

Para quem não mora nas redondezas de Porto Alegre, ou mora, mas está mal informado, deixe-me explicar meu interesse súbito por tão enfadonha palavra.

Em outubro do ano passado, no Rio dos Sinos, responsável pelo abastecimento de diversos municípios aqui da região, inclusive da minha caixa d’água, cerca de 100 toneladas de peixes de 16 espécies foram vistas boiando neste que, segundo biólogos locais, foi “o maior desastre ambiental no Sinos em 40 anos”, causado pelo despejo criminoso de milhares de litros de resíduos tóxicos não tratados da indústria local. Pois bem, foi aquela gritaria de sempre...

O político acuado disse: Isso é um absurdo! Vamos apurar imediatamente os responsáveis por esse ato execrável e pútrido que atenta contra o meio ambiente e a sociedade como um todo!

O aposentado, que jogava dominó na praça, disse: Ah meu filho, eu me lembro bem... em 1942, quando eu era menino moço, vinha aqui todos os dias, tomar banho no rio, eu e meus 17 irmãos...

A dona de casa disse: Isso não pode ser assim, né moço? Ontem, por exemplo, os meninos aqui ficaram tudo com caganeira, vê se pode! Que judiaria, né moço?

O gurizão, sentado na frente do shopping disse: Baaaah véio, que loucura... tri foda isso né!?

O presidente do grêmio estudantil disse: Isso é culpa do governo inerte, burguês e neoliberal que sem o menor escrúpulo e com o apoio do FMI, lança no rio a lama negra do capitalismo, destruindo completamente o direito à oxigenação da água dos companheiros peixes!

Eu disse: Qual era mesmo o telefone daquele motoboy que entrega água mineral à domicílio?

O Juiz de Direito de uma Vara qualquer de São Leopoldo disse: pega essa liminar aqui que tá sossegado.

Dê mais uma olhada na definição de liminar ali em cima do texto. Bonita, não? E bastante pertinente por sinal. A empresa poluidora, a parte protegida pela liminar, não teve perdas, exatamente como o documento propõe. Por essa razão, conseguiu que seu nome não fosse divulgado na mídia, tendo evitado as mordidas dos cães ferozes da opinião pública. Provavelmente está lá até hoje, dando descarga na cabeça dos peixinhos sequelados, veteranos de guerra.

Mas e a outra parte? E o Rio dos Sinos? Temos que encontrar com urgência outro juiz que conceda outra liminar, desta vez em benefício do rio. Melhor ainda, vamos arranjar com alguém um bloquinho cheio de liminares em branco, assim, cada vez que vierem com uma querendo proteger os poluidores, sacamos outra do bloquinho para confrontá-la. Talvez assim funcione, dente por dente, olho por olho.

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