É manhã de segunda feira. Na estação do trem que me leva ao trabalho em Porto Alegre, me deparo com as mesmas figurinhas da semana passada, e da anterior... A escada rolante ainda em manutenção (e totalmente estrebuchada para não deixar dúvidas), o peão e seu cigarro matinal, exalando na minha cara baforadas nauseantes daquela porcaria, o cachorro que insiste em cochilar bem no meio da passagem dos pedestres e, o pior de todos, o moço do pastel e seu probleminha de concordância. Vai parecer frescura, mas de todos os personagens citados, este último consegue ser o mais irritante. Todos os dias o homem está lá, berrando a plenos pulmões o anúncio de sua oferta irresistível às centenas de passageiros que esperam o transporte nosso de cada dia. O vendedor proclama: “É dois pastel 1 real!!! Dois pastel 1 real... pra você que não tomou café ainda, tem pastel fresquinho, massa caseira, dois pastel é 1 real...” Não contente em agredir os ouvidos alheios com seu português tenebroso, o vendedor ainda faz questão de mostrar o slogan em uma placa ostensivamente exibida em seu carrinho. Qualquer dia ainda vou presentear o sujeito com uma placa nova, pois aquela, francamente, me causa arrepios.
Ah sim, até parece que nós mesmos não cometemos nossos erros! Quem vai atirar a primeira pedra? Afinal, estamos falando de uma simples supressão de plural, prática corriqueira, especialmente aqui nas redondezas. Nada tão alarmente, diga-se de passagem, já que praticamente todo mundo acaba atropelando uma regra ou outra, até para dar mais fluidez ao discurso informal e não acabar soando como ator de novela de época. Mas não sei, tem alguma coisa especificamente com as frases do pastel que me fazem doer as partes baixas. Ironicamente, outros desastres ortográficos, apesar de trágicos, parecem não judiar tanto do ouvinte aqui e acabam até servindo como entretenimento barato. Alguns best sellers incluem: táuba, iorgute, prástico, adevogado, pobrema.
Após esta breve reflexão, eis que voltamos ao cenário anterior. Agora são quase 18 horas e estou regressando do trabalho, excepcionalmente direto para a faculdade. O estômago ronca como nunca e não farei o tradicional pit-stop em casa para o pão com queijo e a batida de banana com Neston. Na aula, teremos que entregar aquele relatório que, naturalmente, ainda não está pronto. Culpa da agenda dos integrantes do grupo, assim como eu, todos com atribuições em dose integral nos seus empregos de tempo integral, de onde tiram o dinheiro para bancarem uma mensalidade para lá de integral.
Sentado no trem, recusando balinhas, santinhos, canetinhas e sabonetinhos, sinto que não terei escolha senão apelar para o quebra galho da cozinha de rua, categoria onde estão inseridos os churrasquinhos de gato, as coxinhas de rodoviária e os saquinhos de amendoim comprados com vale transporte. E eis que lembro dele, do moço dos pastéis. É dois pastel 1 real!!! Dois pastel 1 real!!! O slogan já reverbera a tal ponto na minha cabeça, que antes mesmo do trem chegar à estação, eu já tenho a impressão de poder ouvi-lo em sua voz de animador de bingo. Àquela hora, o moço do pastel ainda está lá, firme e forte no seu posto. Seguindo a lei da oferta e da procura, os pastéis, ainda vigorosos, são agora vendidos a um preço diferenciado “...É três pastel 1 real!!!! Três pastel 1 real... pra você que não lanchou ainda, ói o pastel fresquinho, massa caseira, três é 1 real...” Diante de tamanha queima de estoques, puxo uma verdinha do bolso e passo ao ambulante, que prontamente me entrega uma sacola de prástico com as três iguarias acompanhadas por uma pilha de guardanapos.
Saio com meus pastéis fresquinhos(?) feitos de massa caseira, e o vendedor, incentivado pela minha compra, vê seu slogan funcionar e seu negócio prosperar. No final, acabo contribuindo para que a ordem natural das coisas seja mantida. Talvez ele compre um carrinho maior, ou uma frigideira extra para fritar os seus pastéis. A placa e o slogan, no entanto... Estes eu temo que sejam mantidos!
2 comentários:
Eu já falei milhões de vezes, "cara, como tu escreve bem"! E nao canso de dizer. Hoje em dia isso faz uma falta tão grande. Admiro pessoas assim, tenho uma invejinha..hehe..boa inveja, é claro! É triste mesmo e irrita MESMO, essas coisas do dia-a-dia..como "dois pastel 1 real", "crepe siússo", e outras bizarrices..Mas, de certa forma é aceitável, se pensarmos na atual (e nao só atual) situação do país. De pessoas mais pobres materialmente é "entendível" hehe. Mas já casos como trabalhos de conclusão com escritos bem grandes na capa: "projeto de pesquiZa" é inaceitável...não sei como conseguem passar da 8° série.
Parabéns Robson, amo o teu jeito de escrever!
Beijo.
Ah, viu? Eu disse que iria ler..
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